
Por M. Correia Fernandes
A Figura de José adquire naos Evangelhos da Infância uma presença reservada, quase oculta, mas providencial. Tal como Maria, ele recebe o anúncio do nascimento do Messias como ação do Espírito, e a missão de lhe dar o nome: Jesus, Javé salva. Acompanha o seu nascimento, apresenta-o no Templo, assume a necessidade de emigrar para o Egito para o livrar da fúria de Herodes, faz a peregrinação ao Templo nos seus doze anos, como era imposição legal. Depois do regresso a Nazaré, apenas é referenciado pela relação com Jesus: Não é Ele o filho do carpinteiro? (Mateus, 13,55; Marcos, 6,3). Por isso lembra S. João Crisóstomo que José desempenha uma missão inteiramente ao serviço do plano salvífico.
Estes dados são recordados na Carta Apostólica “Patris Corde” (Com coração de pai) do Papa Francisco, que salienta o facto de o magistério pontifício lhe ter dedicado mais atenção que a qualquer outra figura da Igreja. Ora é justamente pelo facto de ter ocorrido em 8 de dezembro de 2020 o 150.º aniversário da declaração por Pio IX que o nomeia “Padroeiro da Igreja Católica”, Pio XII “Padroeiro dos Operários” e João Paulo II “Guardião do Redentor”, que o Papa Francisco anuncia um ano dedicado a S. José, a partir de 19 de março, dia da sua festa litúrgica, e escreveu a citada mensagem deixando a sua palavra “falar da abundância do coração”. Referencia também explicitamente todos os que, como todo o pessoal de saúde, “diariamente exercitam a paciência e infundem esperança”, a partir das suas tarefas profissionais.
Francisco percorre a ação e a presença de José na narrativa evangélica e na tradição cristã, em sete pontos: o amor, a ternura, a obediência, o acolhimento, a coragem criativa, o trabalho e a simplicidade.
Entre os dados mais importantes, salienta o Papa que ele constitui o elo de ligação entre o Antigo e o Novo Testamento. A ternura procura-a na mesma oração da comunidade judaica, em que o Deus de Israel é um Deus de ternura. A obediência de José, como a sua confiança na Providência é assinalada sobretudo na decisão de se afastar para o Egito, e depois regressar, na presença da inspiração “Levanta-te. Toma o Menino e sua Mãe”: “foi chamado por Deus para servir diretamente a missão de Jesus, mediante o exercício da sua paternidade”. Sobre o acolhimento escreve Francisco esta interessante observação: “posso imaginar ter sido do procedimento de José que Jesus tirou a inspiração para a parábola do filho pródigo e do pai misericordioso”, narrado em Lucas, 15.
Pela “coragem criativa de José”, realça que a intervenção de Deus na história humana se realiza por meio de acontecimentos e de pessoas, salientando a sua decisão e o seu trabalho para corresponder às necessidades de acompanhamento e subsistência., afirmando que dele importa aprender a amar “O menino e sua Mãe”. A dimensão do pai trabalhador é também salientada na relação com o nosso tempo: “A crise do nosso tempo, que é económica, social, cultural e espiritual, pode constituir para todos um apelo a redescobrir o valor, a importância e a necessidade do trabalho, para dar origem a uma nova «normalidade» em que ninguém seja excluído” (n. 6).
O último aspecto que Francisco salienta é a simplicidade da sua ação como “Pai na sombra”, evidenciando a relação da figura bíblica da paternidade de José com a sociedade atual: “Ser pai significa introduzir o filho na experiência da vida, na realidade… torna-lo capaz de opções de liberdade, de partir”. Bela é esta afirmação: “A felicidade de José não se situa na lógica do sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem nunca se nota frustração, mas apenas confiança”.
Mais uma vez a novidade do ensino e das sugestões do Papa Francisco se encontra no relacionamento doutrinário com a realidade e os dramas concretos e presentes da vida. Parte da teologia para a prática, pela atenção aos dramas da sociedade de hoje.
Como usa também em suas mensagens, termina com uma oração: nela pede que nos guie nos caminhos da vida, na confiança, na misericórdia e na coragem.
Importa pois uma leitra cuidada desta “Carta Apostólica” que, sendo breve, está, pelo modelo apresentado, em cima da realidade da nossa vida destes dias, de todos os dias.
P.S. -São José é também homem do silêncio. Vem a propósito lembrar a mensagem que o Papa Francisco propôs, no passado domingo, segundo da Quaresma, como penitência quaresmal, um jejum que não dará fome: o jejum da coscuvilhice e da maledicência. Acompanhado da leitura da Bíblia, é um programa de grande novidade no contexto social que vivemos e da linguagem do quotidiano e das redes sociais.