
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Ao traçar as diretrizes a que se deveria submeter a renovação litúrgica, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia do II Concílio do Vaticano destacou «os dois aspetos característicos do tempo quaresmal, que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Batismo e pela Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de Deus e dar‑se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério pascal» (SC 109). E a reforma litúrgica que se lhe seguiu, seguiu essas indicações, na fidelidade à grande Tradição.
Estas duas constantes devem estar sempre presentes no itinerário quaresmal, seja qual for a «dinâmica» que o concretize. Basta pensar que, no rito romano, entramos na Quaresma recebendo as cinzas sobre a cabeça – perspetiva penitencial – e que, em qualquer dos 3 ciclos, o Leccionário sempre oferece a possibilidade de optar pelas leituras do Ano A, retomadas da caminhada catecumenal dos primeiros séculos, nomeadamente se houver catecúmenos na comunidade. Recorde-se, ainda, que o 1º domingo da quaresma é o dia tradicional da celebração do Rito Catecumenal da Eleição ou Inscrição do Nome daqueles que deverão ser admitidos à celebração dos Sacramentos da Iniciação Cristã na Vigila Pascal. Batismo e Penitência, sacramentos da Aliança, estarão sempre no horizonte da Igreja em quaresma.
Neste enquadramento, o ciclo B do Leccionário, em que nos encontramos, tem uma interessante particularidade. Convidamos os leitores a revisitarem os preliminares do Ordenamento das Leituras da Missa que podem consultar no início dos vários volumes do Leccionário em vigor. Em relação à Quaresma, leiam-se os números 97 e 98.
A opção pela alternância trienal do Leccionário dominical e festivo (anos A, B e C) permitiu caracterizar cada um dos ciclos com uma acentuação temática especial. Mas esta diferenciação só emerge nos 3º, 4º e 5º Domingos. De facto, no 1º. 2º e 6º (Ramos) Domingos da Quaresma, os três ciclos do Leccionário seguem um paralelismo perfeito, estabelecido pela leitura dos mesmos episódios evangélicos segundo os 3 Evangelhos Sinópticos (A – Mateus; B – Marcos; C – Lucas), naturalmente com as particularidades de cada. É, de facto, no coração da Quaresma, ou seja, nos 3º, 4º e 5º Domingos, que nos deparamos com uma consistente diferenciação temática: no Ano A é privilegiado o acento batismal; no Ano C, predomina a temática da conversão, o que condiz com a leitura de São Lucas, o Evangelista da mansidão e misericórdia. E no Ano B, em que nos encontramos, onde recai a tónica? O nº 97 dos Preliminares do OLM explica: «no ano B, [lêem-se] textos de São João sobre a futura glorificação de Cristo pela Cruz e Ressurreição».
Todos os 3 ciclos são «cristocêntricos»: Jesus Cristo é sempre o grande protagonista dos relatos Evangélicos dos domingos da Quaresma. O Ano A é cristocêntrico-batismal; o Ano C é cristocêntrico-penitencial; o ano B é «cristocêntrico-pascal». Em qualquer dos 3 domingos típicos do Ano B – o Sinal do Templo, o Sinal da Serpente elevada no poste, o Sinal do grão de trigo lançado à terra – é sempre antecipado o mistério pascal na sua dupla vertente de Cruz e de Glória, morte e ressurreição. Forçando a expressão, poderemos dizer: o Ano B é o “mais pascal” dos 3 itinerários quaresmais.
É bem que não percamos nunca de vista este horizonte: o importante é a celebração do mistério pascal. O caminho define-se pela meta. Na sua mensagem para a Quaresma de 2021, o Papa Francisco destaca no título: «Vamos subir a Jerusalém»: não ao templo antigo – de que só resta o muro das lamentações –, como os peregrinos hebreus de outrora. Mas ao Templo novo, demolido na paixão mas reerguido ao 3º dia. Todas as práticas ascéticas tradicionais (e sempre a reinventar, atuais e renovadoras) pelas quais devemos crescer na Fé, Esperança e Caridade, servem para subir a Jerusalém e aí celebrar a Páscoa da Nova e eterna Aliança: a nova Páscoa, de Cristo e da Igreja, a nova Páscoa em que os convidados vêm com túnicas brancas às bodas do Cordeiro.