
Por Lino Maia
Como foi e é sobejamente reconhecido, os grupos profissionais, de ajuda direta e de serviços, têm demonstrado grande integridade e compromisso nesta crise. A responsabilidade profissional emerge nas pessoas que cultivam determinados valores e modo de conceber a sua profissão. Um profissional é alguém dotado de capacidades técnicas e éticas suficientes para se comprometer com as pessoas de uma comunidade e levar-lhes um bem, um benefício. Quem não assume os ditos valores e virtudes não estará disposto a arriscar.
De todos os grupos, os grandes protagonistas da crise gerada pelo Covid-19 têm sido os profissionais de saúde, especialmente os do âmbito hospitalar. Por vários motivos. O mais visível foram os riscos para a própria saúde que provocou internamentos e medidas especiais. Além disso, pela dificuldade de contar com meios materiais e humanos para fazer face à pandemia, os profissionais foram expostos a jornadas intensivas e ao contágio.
Na verdade, tem havido outros cenários que não são secundários, mas paralelos e igualmente importantes. A crise tem revelado quem são realmente os profissionais essenciais que geram um bem social. Com grande destaque, os trabalhadores dos lares. Mas também o pessoal de supermercados, transportes, limpezas, cuidadores e auxiliares geriátricos, zeladores, educadores, trabalhadores sociais, psicólogos, professores, polícias, cuidadores sociais… e tantas outras pessoas que talvez não estejam a receber nem a proteção nem o reconhecimento pelo seu compromisso leal em ocasiões de heroicidade. Sem eles a população teria ficado exposta sem remédio à fome, a mais prejuízos para a sua saúde, à precariedade e à desproteção em geral frente à pandemia.
Trona-se imprescindível também uma reflexão coletiva de todos os aspetos atingidos nesta crise, reconhecendo que, com a saúde biológica, estão em jogo outros fatores de saúde como são os psicossociais. A consequência mais imediata, que já se fez notar, é o aumento das desigualdades sociais, que agrava a vulnerabilidade das pessoas que já eram frágeis, e deixa em situação de debilidade muitas outras. E a desigualdade de género, por serem as mulheres as mais prejudicadas nesta crise, pelo seu inestimável papel de cuidadoras nos âmbitos público, social e privado. Daí a importância de que, além do reconhecimento legal, se lhes dê a visibilidade económica e social que merecem.
Existiram conflitos de caráter ético (e, em certas ocasiões, também legal) entre a responsabilidade de atenção à população e a segurança e o cuidado da sua saúde. Não é aceitável abusar do caráter vocacional e solidário e permitir que as pessoas trabalhem em condições limites e/ou de desproteção ou sobre-exposição à fadiga e ao stress crónico. Em virtude da própria segurança, também não é correto negar-se a atender necessidades que não podem ser prestadas através do teletrabalho. Como sempre, os extremos não costumam ser a melhor opção em situações de conflitos de valor. Terá faltado a decisão de promover cursos de ação para distribuir as equipas de proteção em função do risco e não do status ou da categoria profissional e para facilitar o acompanhamento pessoal e emocional dos profissionais. Também nos momentos em que se requer mobilidade ou mudanças na atividade laboral para atender necessidades urgentes.
A situação tão intensa que vivem as equipas profissionais e as pessoas atingidas gravemente pela crise, pelas circunstâncias e condições em que adoecem e falecem as pessoas, e as solicitações imprevistas de mobilidade e mudanças na atividade laboral para cobrir necessidades importantes e urgentes, coloca-os em grave risco emocional que não tem sido suficientemente valorizado na hora de estabelecer medidas de proteção e de apoio emocional. A responsabilidade não é apenas dos profissionais: é também das entidades e instituições, que têm o dever de procurar e distribuir de maneira eficiente os meios existentes (humanos e materiais) para que a população e os profissionais que, nesta situação, mais riscos físicos e emocionais sofrem, sejam protegidos prioritariamente.