Valorizar a família como igreja doméstica

Elisa Tavares é membro da Equipa Diocesana de Coordenação Pastoral e neste início da Quaresma assinala a importância da Caminhada Diocesana “Todos juntos na Arca da Aliança”. Em entrevista sublinha que com a proposta apresentada “somos convidados a fazer uma liturgia familiar, para celebrar, rezar e viver a fé”.

Entrevista conduzida por Rui Saraiva

VP: Qual o convite da Caminhada da Quaresma à Páscoa proposto pela diocese do Porto?  

ET: A Diocese, na sequência do lema pastoral “Todos Família, Todos Irmãos” convida a todos sem exceção, enquanto família diocesana, em comunhão com a igreja universal, a viver a caminhada quaresmal até à Páscoa, sob inspiração da metáfora bíblica da Aliança: “Todos Juntos na Arca da Aliança”, assumindo um compromisso que nos renove e nos faça crescer como irmãos.

Com o agravamento da situação pandémica e o encerramento das igrejas às celebrações comunitárias, há a intenção de valorizar e a (re)habilitar a família como igreja doméstica. Em cada domingo, de acordo com a liturgia são feitas propostas de oração, com recurso a símbolos sugestivos para cada uma das “alianças”, de modo criativo e dinâmico, por forma, a que que todo o agregado familiar seja protagonista, se envolva, se comprometa e atualize a Palavra de Deus, que ilumina a vida.  Somos convidados a fazer uma liturgia familiar, para celebrar, rezar e viver a fé.

A caminhada sustenta o propósito de fundar a igreja doméstica de filhos de Deus, sugerindo um “cantinho da oração” em família, tendo por base uma liturgia simples e significativa. Convida-nos ainda, a sistematizar o ritual de bênção da mesa, a desenvolver um plano de privação (de abstinência / jejum), a promover hábitos de simplicidade e moderação, a praticar gestos de correção fraterna, a dirigir a atenção para os mais frágeis, a praticar o perdão e a reconciliação. A caminhada da Quaresma-Páscoa guia os nossos passos para a celebração do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, compreendendo a cruz como o sinal maior e o símbolo expressivo desta caminhada.

VP: De que modo vão ser envolvidas as famílias?

ET: Neste tempo atípico marcado fortemente pela pandemia e o consequente afastamento da comunidade cristã, as famílias sentiram necessidade de assumir um papel basilar, enquanto membros da Igreja. As famílias desinstalaram-se e paradoxalmente ganharam tempo para a reflexão, originando crescimento espiritual pela corresponsabilidade de batizados e filhos de Deus.  A hora dos leigos foi posta à prova, pela premente necessidade de se envolverem na pastoral, de sintonizarem mais com os respetivos párocos e promoverem a missão evangelizadora.

As famílias reinventaram-se e redescobriram-se no aprofundamento da consciência batismal e no amor criativo pelos irmãos, a começar pelo lar, confiando a Deus as suas orações e súplicas. Há testemunhos de famílias que se reúnem à volta da Palavra, que participam na eucaristia através dos meios digitais, com ajuda dos mais novos e mais habilitados nas tecnologias. A sociedade não estava consciente desta fragilidade humana e intensificou a leitura cristã da vida a vários níveis, nomeadamente no seio familiar.

VP: Que feedback têm tido das paróquias e dos diocesanos na implementação destas caminhadas de preparação do Natal e da Páscoa?

ET: Como representante da vigararia Gaia-sul no Conselho Diocesano de Pastoral, tive a oportunidade de reunir com a equipa vicarial e o feedback relativo à implementação das caminhadas, na generalidade, é bastante positivo. Constata-se que as propostas são bem estruturadas, flexíveis e exequíveis. Reconhece-se nas propostas o valor da comunhão diocesana, numa sintonização que a todos identifica e congrega. O caminho encetado tem sido profícuo, quer a nível da divulgação e visibilidade, quer a nível das atividades promovidas, seja também, pelo envolvimento dos grupos pastorais, sobretudo da catequese e por ela as famílias, também chamadas a participar.

VP: Quais as dificuldades que este tempo de pandemia tem colocado ao trabalho da equipa de pastoral?

ET: Como todos sabemos, a situação atual, e já a anterior, impôs muitas restrições e determinou a suspensão das reuniões presenciais, dos vários grupos paroquiais, bem como a interrupção das celebrações litúrgicas e da catequese, colocou dificuldades e novos desafios às equipas de pastoral.

Os párocos têm sensibilizado os leigos para que os catequistas mantenham contato frequente com os catequizandos e com os pais. O modo e a forma ficam a cargo de cada responsável (via Zoom, WhatsApp, telefone e outros meios expeditos). A catequese é, neste contexto, uma preocupação, dado que nem a todas as crianças é disponibilizada a possibilidade de aceder aos meios audiovisuais.

O contato entre os catequistas mantém-se através das redes sociais e canais de comunicação à distância. As sessões online, são a solução possível para reunir e refletir com os diversos agentes pastorais.

Relativamente às celebrações da Eucaristia foram desdobradas oportunidades através do Facebook. Observa-se, contudo, a redução forçada da dinâmica paroquial, designadamente a frequência na eucaristia, que começa a merecer alguma preocupação, em termos pastorais, mas também no que respeita a obtenção dos meios económicos que assegurem a manutenção e o regular funcionamento da paróquia. Os ritos sacramentais, cerimónias e celebrações também são adiados, sob pena de serem “dispensados”, para quem tão somente o fazia por tradição, sendo que, mesmo assim mantinham um vínculo e uma identidade.

O setor socio-caritativo vai fazendo o que as limitações lhe permitem, porque os meios disponíveis são escassos para atender às necessidades e vulnerabilidades, sempre em crescendo. Não obstante a generosidade ter proporcionado razoável recolha de géneros alimentares e outros donativos, verifica-se que são manifestamente insuficientes. A carta encíclica “Fratelli Tutti” recorda-nos a importância de contrariar o “vírus do egoísmo”, tão difícil de vencer! Os cristãos em particular, e a sociedade civil têm o imperativo moral de apostar na solidariedade e cooperação, para ninguém se sentir descartado, sobretudo quando surge a doença e também falha o “teto e trabalho para todos”.

A CEP no comunicado sobre o novo confinamento e novos desafios que se colocam à Igreja, apresenta orientações e intima-nos a “acrescida responsabilidade e solidariedade neste “combate” e lembra que “estamos todos no mesmo barco”, mas sabemos que há “barcos muitos desiguais”, infeliz realidade a contornar e a assistir! É, por isso, preciso reinventar, reorganizar, motivar e ter iniciativa numa atitude de corresponsabilidade, para não deixar ninguém para trás. Tornar efetivo e agir é bem mais complexo, mas creio que é possível com a cooperação e boa vontade de muitos!

VP: Neste período histórico difícil que estamos a viver como vê o futuro no âmbito da animação pastoral da diocese?

“O futuro a Deus pertence”, como diz o senso comum com propriedade e razão. Apesar das grandes mudanças que se impõem, vejo com esperança! Esta virtude cristã, associada a uma fé perseverante, leva-me a acreditar que o desafio no âmbito da animação pastoral da diocese certamente produzirá frutos, desde que mantenhamos o interesse e a vontade. A igreja nesta fase tão complicada, tem dado exemplo de boas práticas, pela capacidade de aprendizagem e adaptação.

Não podemos ser saudosistas, ficar presos ao passado, pois a “nova normalidade” será inevitavelmente diferente e à semelhança da nossa história da Salvação, vemos como Deus nos ensina a ler os sinais e nos concede capacidade para edificarmos um novo começo. O Espírito Santo continuará a infundir os seus dons, para que produzamos frutos com generosidade.  Acredito no testemunho dos mais velhos e do seu legado aos mais jovens, que neste momento difícil têm dado provas de resiliência, de iniciativa e de encontro. Reconheço que o ambiente é adverso, mas acredito “no sacerdócio comum” capaz de dar “testemunho de Cristo em toda a parte”.

 

Uma cristã ao RX

Elisa Tavares tem 58 anos, é casada, mãe de dois filhos e já avó de uma neta. É professora de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) e assume uma vida eclesial muito intensa. É Ministra Extraordinária da Comunhão e com o marido participa nas equipas dos Centros de Preparação para o Matrimónio (CPM). É Confrade da Confraria de Santiago de S. Salvador de Grijó (Apoio no Albergue aos peregrinos) e membro do Conselho Paroquial de Pastoral e Comissão Permanente. É também membro do Conselho Diocesano de Pastoral.