Há uma mão estendida, em espera

Foto: Rui Saraiva

Por Duarte Ribeiro

Longo este caminho que atravessamos, puros pântanos irrespiráveis, desassossegados. O desalento entranha-se à velocidade de uma lágrima solitária, incapaz de se despedir do lugar. Procuramos a companhia na penumbra cada vez mais opaca, um rosto que dissipe os suspiros mais profundos na sofreguidão. Olhos luzam o lugar que pede ser olhado, exausto de exaustão.

Sobre cada um tudo parece cair em desgraça, sem medida. Cada um sente-se carrejão de uma carga não pedida. De tão prostrados, arruína-se a força de olhar para o lado. Há uma mão estendida, em espera, que não vemos. Uma mão para alívio da carga, encurtadora de distâncias. Ela tem a capacidade de tornar presente o futuro que brilha. E essa mão é a Esperança maior que vem do alto, que se coloca na frente das lutas travadas pela humanidade, que ampara o doente, que auxilia cada profissional cuja missão não permite confinar-se. É o seio maternal no interior de cada família.

Não somos náufragos. A esperança dialoga com cada um, porquanto é pela “esperança que somos salvos” (Rom. 8, 24). Não requer demonstração porque cremos n’Aquele que vem ao nosso encontro. No entanto, ter e viver a esperança não implica negar o mundo, toda a realidade visível. Pelo contrário! É a esperança que retira da vacuidade essa mesma realidade visível. Ao esperarmos não naufragamos, porque ‘vigilantes’ (Mc. 13, 33-36). Jesus nascido e Cristo ressuscitado reflete a esperança na vida como garantia incorruptível. Permaneçamos em recolhimento vigilante.

Santo Agostinho diz-nos que para descobrir Cristo é necessário o “recolhimento”. Este recolhimento pessoal é a raiz da oração e cultivar a oração é alicerçar a Esperança. Por Cristo, a oração de cada um é a Sua oração e a Sua oração torna-se a oração de cada mulher e de cada homem. Queremos não estar sós e não estaremos sós se descobrirmos, no íntimo, a Sua presença.

A falsa supremacia humana. Toda a humanidade é criatura e como tal está marcada pela fraqueza e finitude, pela força e caridade. Depositar na humanidade a caridade suprema e o fim último de cada homem e cada mulher, é dizer uma natureza morta e desprovida de sentido. O homem não é apenas um fenómeno natural, um processo biológico ou uma individualidade psicológica. Daí que anular a sua relação com Deus é anular a própria humanidade e existência. Assim, a esperança confere não um fim em si mesma, mas um caminho para a fonte. E a fé, ela mesma, apoia-se na esperança enquanto transpõe as fronteiras do nosso mundo visível e indizível. A fé do homem em Cristo. A esperança enquanto abertura para o legado de Cristo, é a “companhia inseparável da fé” (Moltman).

O tempo faz o seu caminho e o caminho é no sentido do tempo. É para esse caminho que nos devemos fixar. Ele é real e luminoso. A nossa capacidade de perceção e compreensão é tão modesta, tão destituída da faculdade de julgar, que conseguimos conservar a tragédia do Calvário, apenas visível pelo olhar do que espera. Apenas a Esperança poderá colocar termo à impotência humana de alcançar os horizontes de uma nova humanidade a florescer neste contexto pandémico.

Poderá fazer-nos sentir a prolongada angústia um interior vazio, simplesmente por fecharmos a entrada à Esperança, com mais intensidade que o filtro da máscara carregada no rosto. Os olhares estão cada vez mais ocultos. No entanto, quem espera, mesmo na provação, é mais feliz. Há gritos que o infortúnio nos impele a bradar. Gritos que traduzem a dor, o desespero da angústia (Jo. 5, 16). Mas quem espera não vê o porvir, mas sabe que não é de si que ele vem. Alcança-o! A esperança vem do alto e não se confunde. Assim se entende que a esperança é uma dádiva de Deus e não uma projeção do desejo de cada um. Se assim fosse, Deus não teria lugar em cada um dos seus filhos (Jer. 7, 4).  A esperança escapa ao entendimento humano. Dispomos dela, mas não é visível. Como se pode esperar o que “alguém vê” (cf. Rom. 8, 24)? O nosso refúgio é a esperança, porquanto ela liga intimamente a fé e o amor. É um caminho feito inseparavelmente. Juntas! A esperança não requer demonstração quando cremos n’Aquele que vem ao nosso encontro: “na esperança somos salvos” (Heb. 11, 1).

O lugar abafado. Esta pandemia assumirá, certamente, o nosso lugar habitado, os nossos projetos. Ceifará milhares de vidas. Provavelmente, muitas das vidas que vingarem, não terão a força de tempos outrora frescos. Mas, mesmo assim, a esperança impele cada um a ficar vigilante. Todos esperamos que o tempo se torne oportuno. Mas ele insiste mostrar-se consumado. Resta-nos saber contemplar, admirar, com gratidão e esperança. Mover a linha desalinhada que une os pontos imóveis, pela ausência de cor, pela luz desaparecida ou pela incomunicabilidade do som. Ausência de mim. Ausência do outro. Ausente por cada um que não está no tempo do outro, tornando-o consumível. Um coração que ama comove-se diante do coração que sofre. O coração sofrido fortalece-se com o amor da Esperança que recebe.