
Por M. Correia Fernandes
José Mattoso (nascido em Leiria em 1933, 87 anos) é historiador amplamente credenciado e reconhecido. Entre as suas numerosas obras, de que podemos destacar O essencial sobre a cultura medieval portuguesa (1985), ou A escrita da história (1986), para além da Direção dos seis volumes sobre a História de Portugal (depois completados com mais dois, sobre a História mais atual de século XX após 1974, com direção de José Medeiros Ferreira e António Reis), editada pelo Círculo de Leitores a partir de 1992).
Lembramos que a sua investigação histórica tem raiz na diocese do Porto, dado que apresentou como tese de doutoramento em Lovaina Le Monachisme ibérique et Cluny: les monastères du diocèse de Porto de l’an mille à 1200 (publicado em Lovaina, Presses Universitaires, 1968).
Lembramos que foi distinguido pela Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicação Social, através do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, com o prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes (no ano de 2019).
Acaba de publicar, na editora “Temas & Debates” um novo volume, de 344 páginas, intitulado A História Contemplativa (nov. 2020).
O título, por si mesmo, traduz as linhas de leitura que inspiram o autor e balizam o seu trabalho de investigação, bem como o olhar pelo qual são vistos e interpretados os dados apresentados e estudados: procurar nos factos, acontecimentos e meandros da História o seu sentido de reflexão pelo prisma da dimensão espiritual: “A minha visão da História humana, da História-vivida é contemplativa”, como afirma.
Segundo um texto da Pastoral da Cultura, publicado em28 de janeiro de 2021 por Rui Jorge Martins, o volume «reúne palestras e artigos surgidos entre 1996 e 2013, que abordam temas tão diversos como as relações entre mouros e cristãos no século XI ibérico, as particularidades da religiosidade dos alentejanos, os contactos do Portugal recém-nascido com o mundo, a importância dos lugares e monumentos portugueses classificados como património mundial pela Unesco ou também a vida de Beatriz da Silva, santa portuguesa do século XV», como refere a sinopse da obra.
É conhecido o aforismo “A História é a Mestra da Vida”, que o autor evoca, refletindo sobre o “ofício de historiador», em que a História surge «como base do conhecimento da condição humana”, ao invocar e analisar os feitos ou acontecimentos do passado para “orientar resoluções do presente”.
Citando ainda: «Podemos tomar a História no seu todo, como um convite à reflexão acerca do comportamento humano perante as condições positivas e negativas em que a Humanidade se encontrou, e como a elas reagiu. Assim procuramos ser conscientes das escolhas que individualmente e em conjunto podemos ou devemos fazer para sermos humanos.».
José Mattoso propõe que se olhe a História buscando nas ações do passado linhas de rumo para o presente e o futuro: «Não sabemos bem o que somos. O comportamento humano é tão diversificado e tão imprevisto, que jamais poderemos saber para onde vai a Humanidade. Não sabemos para onde vai, mas podemos ter alguma ideia acerca do donde veio. Para isso temos de a considerar na sua totalidade. Temos de conhecer as recorrências e as anomalias, as variantes e as repetições, a originalidade e a cópia, a norma e a exceção, o igual e o diferente, o que foi e o que é. Temos de estudar as transições e os contágios, a continuidade e a rutura, o verdadeiro e o falso. Temos, enfim, de considerar o Homem no Tempo”, discernir “a trajetória temporal do Homem”.
É neste sentido que interpreta a História como contemplação e não apenas a “poeira do episódico e do fortuito”.
A contemplação é uma atitude ou estado de espírito que nasce da espiritualidade e das propostas da Teologia ascética e mística. Santa Teresa afirma que a contemplação afeta diretamente a vontade e envolve toda a pessoa, a sua atividade anímica
Para servir de orientação para a leitura da História, José Mattoso chama-lhe “contemplação aplicada”, que define como “a recusa de um positivismo desligado da integração dos factos num sentido mais global e, porque não, transcendental”.
Esta dimensão do transcendental é que dá o sentido pleno aos acontecimentos, como podemos ler tanto nos movimentos e acontecimentos bíblicos, como nos acontecimentos criados pela movimentação dos povos. Será como “um estudo de História” vista por uma perspectiva que supera o meramente civilizacional ao encontro do sentido mais íntimo da condição e da pessoa humana. Nesta dimensão, constitui uma proposta nova do mundo e da vida.