Mensagem (107): Protetores, não donos

No que concerne à vida do semelhante, a humanidade tem as mãos sujíssimas. Não me refiro aos homicídios, infanticídios, abortos, eutanásias, etc., cometidos mais ou menos «privadamente». Como nem sequer ao infindável rol de guerras, atentados, massacres e similares, em que a morte do maior número é considerado trofeu honroso. Penso, antes, em vetores da vida social e sua ligação histórica à morte do inocente.

Muitas religiões antigas, pagãs, de facto, incluíram nos seus cultos sacrifícios humanos, expressão de oferta aos deuses do melhor que a comunidade possuía. Com Abraão, isso desapareceu. Creio poder afirmar que a religião foi o primeiro âmbito a repudiar a pretensão de se assenhorear da vida dos outros.

Não assim com a família, por exemplo. Um pouco por todo o lado, a própria lei –pense-se na romana- atribuía ao pater familias direito de vida e de morte sobre os escravos, algo de semelhante sobre as crianças e a esposa, possibilidade de atirar os deficientes da rocha Tarpeia, etc. A nível dos costumes, no mínimo, era  tolerado abandonar os velhos ou «abafá-los», massacrar prisioneiros, aplicar castigos que resultavam na morte, etc. Também isto, graças a Deus, já passou. E desapareceu em outros âmbitos.

Curiosamente, a dimensão política é a única a quem lhe custa abrir mão deste anacronismo infra-humano. Seja a extrema-esquerda, seja a extrema-direita, sejas outras assim-assim, enchem-nos as páginas da história com as «engenharias sociais» de torturas e execuções brutais e arbitrárias dos khmers vermelhos, os «desparecidos» e lançados ao mar da América do Sul, os fuzilamentos de «escarmenta» de Estaline, a «lavagem ao cérebro» dos arquipélagos de Goulag e sua imensidão de mortes ao frio e à fome, a “solução final”, cientificamente programada, dos campos de concentração nazis, a «revolução cultural» maoista e os milhões de vítimas em que firmou os pés, etc. Para só falar nestes factos satânicos dos nossos dias.

A 27 de janeiro, comemoramos a libertação de Auschwitz-Birkenau, símbolo de todos os campos de concentração. Será ocasião de nos perguntarmos: porquê esta tendência de alguns políticos se julgarem donos da vida humana? Como moralizar para reduzir o papel das ideologias? Como evitar que os tiranos ascendam ao poder? Como proteger a vida nesta cultura de morte?

O terceiro milénio reclama de nós esta «ascensão em humanidade».

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