
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Com a data de 10 de janeiro, festa do Batismo do Senhor, o Papa Francisco fez publicar um Motu Proprio com o qual alterou o § 1 do cânon 230 do Código de Direito Canónico, pondo termo à reserva aos fiéis do sexo masculino da instituição no ministério do Leitorado e do Acolitado.
A reserva, agora suprimida, não se fundamentava na natureza das funções exercidas, que são laicais e têm na sua base os Sacramentos do Batismo e da Confirmação. Mas como, por «venerável tradição», faziam e fazem parte da caminhada de preparação para a receção do Sacramento da Ordem – este, sim, reservado a fiéis do sexo masculino – a Igreja não conferia esses ministérios a mulheres.
Graças a Deus, as funções próprias do Leitorado e do Acolitado já há muito que são efetivamente desempenhadas por batizados de ambos os sexos. O § 2 do cân. 230 do CDC «permitia» aos leigos – sem restrição de sexo – o desempenho das funções de leitor nas ações litúrgicas «por deputação temporária». Desde 1994 que o Conselho Pontifício para a Interpretação dos Textos Legislativos tinha concedido, com a aprovação de São João Paulo II, que também o serviço do altar se incluísse entre as funções litúrgicas que, segundo o referido cân. 230 § 2 podiam ser desempenhadas por leigos, homens ou mulheres… Mas, dado que o referido cânon tem caráter permissivo e não precetivo, a decisão de autorizar as mulheres para o serviço do altar dependia de cada Bispo, na sua Diocese… Pensando na lenta superação da exclusão ministerial feminina dos ministérios eclesiais, o §2 do cân. 230 era apenas uma janela entreaberta que permitia superar parcialmente a porta fechada pelo § 1 do mesmo cânon.
Não se diga que é pouca coisa esta possibilidade de todos os fiéis leigos, independentemente do seu sexo – em Cristo não há homem nem mulher –, por força dos sacramentos do Batismo e Confirmação que fizeram deles membros do Corpo de Cristo, único e eterno Sacerdote, poderem ser instituídos Leitores e Acólitos da Igreja com plena responsabilidade e estabilidade, mediante um mandato do Bispo diocesano conferido publicamente com o rito litúrgico da Instituição.
A decisão do Papa Francisco, apesar de formalizada num «motu próprio» – documento legislativo de iniciativa pontifícia – foi um ato eminentemente colegial. De facto, já tinha sido «reclamado» por três assembleias sinodais: a sétima Assembleia Geral Ordinária de 1987 sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo (cf. São João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici, 30 de dez. 1988, n. 23); a décima segunda Assembleia Geral Ordinária, de 2008, sobre a Palavra de Deus na vida e missão da Igreja (Propositio 17; cf. Bento XVI, Ex. Ap. Verbum Domini, de 30 de setembro de 2010, n. 58); Assembleia Especial Pan-Amazónica, de 2019 (Documento final, n. 95; cf. Francisco, Ex. ap. Querida Amazónia, de 2 de fevereiro de 2020, n. 103).
Não obstante tanta convergência sinodal, foi necessário um ato coragem por parte do atual Pontífice, sem dúvida porque eram poderosas as forças da inércia que tinham até agora bloqueado a mudança. Assim se compreende melhor que o Papa Francisco não se tenha limitado a promulgar um motu próprio, mas o tenha feito acompanhar de uma carta ao Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé com uma densa e explicativa (justificativa?) argumentação teológica e Pastoral.
Que consequências para a vida da Igreja se podem esperar deste documento que qualificamos de histórico? Enumeram-se algumas:
– Um passo a mais na receção não só teórica mas também prática e pastoral da eclesiologia do II Concílio de Vaticano.
– A libertação dos ministérios laicais da sua subordinação e destinação clerical quase exclusiva e a sua devolução efetiva à corresponsabilidade laical (sem discriminação em razão do sexo) e, consequentemente, à pastoral normal da Igreja e à sua missão evangelizadora no mundo.
– O renovado enquadramento da preparação ministerial dos futuros padres e diáconos no exercício efetivo, em corresponsabilidade laical, dos ministérios instituídos.
– O reconhecimento formal canónico da igualdade ministerial laical de homens e mulheres.
– A possibilidade de aprofundar o debate sobre os ministérios no feminino não a partir do telhado (o ministério ordenado, com o diaconado no horizonte) mas a partir da base: a corresponsabilidade que se enraíza no Batismo e na Confirmação.
Será tudo isso um passo tímido? De Francisco, claramente que não. Sejamos nós – Igreja –igualmente ousados.