Editorial: Actualidade da democracia cristã

Por Jorge Teixeira da Cunha 

Sabemos que a expressão “democracia cristã” deixou de ter qualquer sentido para os dias que correm. Hoje, as iniciativas dos membros da Igreja, enquanto tais, para se organizar em partido político visando a conquista do poder não se perfilam como caminho. E, no entanto, há alguns factos recentes que nos levam a pensar a actualidade da fé como inspiração para a vida política concreta.

Um desses acontecimentos foi a eleição do Presidente dos Estados Unidos da América. Pela segunda vez na história daquele país, foi eleito um católico. Não sei que lugar tem a fé pessoal dele na configuração do seu estilo como governante. Mas alguma atenção nos merece. Foi eleito igualmente um católico para a presidência do partido cristão democrata alemão, que certamente sucederá no governo à Chanceler Merkel, que governou durante duas décadas. Para já não falar do caso português onde também temos na presidência alguém que manifesta algum equilíbrio de juízo baseada na sua convicção cristã.

Mas a pergunta mais importante não é sobre a velha democracia cristã, mas sobre o influxo tem ou pode ter a moral cristã na fundação do Estado de direito, nas actuais condições dos nossos países de democracia avançada. Como sabemos, lidamos com problemas tremendos, como a ascensão dos extremismos, com a ameaça do populismo, que é um triunfo da vontade arbitrária sobre a norma moral e sobre a instituição justa. É neste contexto que necessitamos urgentemente de dar um contributo para a refundação da democracia. Assim os governantes recém-eleitos o pudessem fazer com alguma eficiência.

A moral política cristã tem um primeiro grande contributo a dar ao nosso tempo. É o contributo da moderação contra toda a forma de extremismo, seja elitista seja igualitarista. Sabemos como a vida em comum é feita de tantos pontos de vista, de tantas correntes de opinião, de tantas iniciativas. Não é fácil a convivência. A sabedoria política é feita da promoção de todas as diferenças, do esforço por dar voz e dar lugar a todas as formas pacíficas de viver e de contribuir para o bem comum. Claro que um discernimento moral tem de ser feito, identificando o limite negativo abaixo do qual a convivência não é possível. Mas esse número de coisas inaceitáveis, o que não merece respeito, o que é intolerável não é muito grande. Podemos dar o exemplo do abuso de crianças, do racismo, do genocídio, da opressão dos pobres, do homicídio terrorista de inocentes. O sentido moral que supera estas coisas cresce lentamente. É com moderação e iluminação mútua que se podem superar. A intolerância justicialista gera novas formas de intolerância.

A fé cristã pode dar um outro contributo para uma melhor democracia: o sentido transcendente da pessoa humana. Este contributo é importante também para as correntes políticas dominantes do nosso mundo, sejam liberais, sejam sociais-democratas ou socialistas. A vida política não é possível sem a advertência de que há algo indisponível às opções humanas. Esse algo indisponível é que funda a democracia política, económica e ecológica. Ora, este aspecto é largamente ignorado por todas as correntes políticas dominantes que pensam que tudo depende da regra da vontade maioritária, mesmo a aprovação das constituições. O cristianismo assenta na ideia de que há uma “norma não normada” que funda as outras normas. Este ponto é fundamental para pensar o Estado de direito.

Talvez não seja conveniente fundar partidos democratas cristãos. Mas é impossível para os cristãos não darem o testemunho do Absoluto que funda a liberdade e que funda o Estado de direito. Esperemos que este elemento não deixe de fermentar a vida da comunidade política, seja qual for o modo de o fazer institucionalmente.