Por Ernesto Campos
“Toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança”
Enc. Frattelli Tutti, 25
Não consta que haja estudos sobre a relação entre pandemia e aumento da criminalidade que se verifica – violência doméstica, facadas, violações, roubos… É lógico supor, como causa, uma situação frustrante generalizada: a pandemia é uma ameaça que parece irreversível, porque é cada dia maior; e a frustração agrava-se com a informação ambígua e contraditória sobre medidas restritivas que se mostram, aliás, pouco eficazes. A mensagem de elevado risco e situação gravíssima não passa.
Há várias maneiras de ultrapassar a situação frustrante. A mais vulgar é a agressão, e é o que parece verificar-se e exprimir-se nas notícias que ocupam três páginas de jornal diário de grande expansão e largos minutos de emissão televisiva. Outro mecanismo de defesa é ignorar a situação frustrante. Perante a insegurança, desliza-se para o comportamento inadequado de recusa do risco, mantendo a habitualidade. Ou então racionaliza-se: a estatística é cálculo de probabilidades, não é dogma. Os psicólogos falam, ainda, de sublimação como reação à situação frustrante. Trata-se de substituir o desprazer do recolhimento domiciliário por contacto virtual telemático com familiares e amigos, ver o jogo de futebol na TV em vez de aplaudir exuberantemente o clube preferido na bancada do estádio. Esta substituição do princípio do prazer, sempre atraente, pelo princípio da realidade, agora imperioso, é a alteração sensata e inteligente da conduta, que se torna necessária, em vez de comportamentos primários e antissociais de agressividade e indiferença. Se a recomendação de proteger a saúde própria e alheia , a exibição de números assustadores de infetados, hospitalizados e óbitos não surtiram efeito, talvez o apelo à inteligência, com mensagens claras, assertivas e objetivas possa ser mais eficaz.
Noutro plano, não já de responsabilidade individual mas de capacidade dos serviços de saúde, sente-se também a situação frustrante de insuficiência de meios humanos e espaços hospitalares para responder às necessidades. E, aqui, a frustração transforma-se em conflito; a procura é maior que a oferta e daí a oposião política: o Estado a querer exibir a suficiència dos seus hospitais, a crispação ideológica partidária a reclamar insistentemente a requisição civil das instituições privadas de saúde.
Neste domínio parece poder dizer-se que tem tido sucesso a negociação para utilização da disponibilidade dos hospitais privados e que, afinal, tal disponibilidade é, também ela, limitada.
Certo é que diversas circunstâncias podem aconselhar que o Estado exerça funções de suplência em relação à sociedade civil (cf. Enc. Centesimos Annus); legitima-se, portanto, a intervenção dos poderes competentes para garantir à comunidade nacional o inestimável bem da saúde, quando, se e como a situação a tornar necessária.
A moderna teoria do conflito, depois da falência do marxismo revolucionário do século XIX, que o considerava o motor da história, supõe uma outra filosofia postulando a autocontenção, porque ambas as partes terão, porventura, algo de comum. Daí que dos vários modos de o resolver (reprimir, suprimir, regular) seja a tolerância e a negociação a via preferencial. É, ainda, na enc. Frattelli Tutti que se recomenda “suportar o conflito inevitável” e que “o cristão deve muitas vezes tomar posição decidida e coerentemente”. É nosso dever e nossa salvação.