Por João Alves Dias
A minha neta Clara que frequenta o primeiro ano do ensino básico, no dia do seu 6º aniversário, disse-me, toda feliz, que os pais lhe deram um computador. Perante o meu olhar interrogativo, logo o pai esclareceu: “Ela precisa dele para a escola”. Recordei os meus tempos da «primária» e vi-me com a «lousa» e a «pena» na saca de pano feita por minha mãe…
Este regresso ao meu passado levou-me também à minha terra onde se faziam e fazem essas lousas. E veio-me à mente a reportagem “Pedra negra de Valongo continua a «alimentar» gerações” (JN, 25/10/2020) que dizia: “uma lousa faz a vez de milhões de sebentas”. Nós, os mais velhos, ainda lembramos essa lousa que usávamos para os mais diversos exercícios na escola. Raramente, escrevíamos no caderno.
Essa reportagem dizia: “Em Campo, Valongo, toda a gente tem alguém que trabalhou ou ainda trabalha nas minas de extração de lousa. História de um passado recente feito de muita miséria e dificuldade, em que grande parte das crianças que não seguiam os estudos, acabavam a trabalhar nas minas”.
Embora sendo de família de lavradores, senti, de perto, o sofrimento dos meus vizinhos e colegas.
. Muitos dos meus companheiros nem sequer frequentaram a escola e, muito novos começavam a ir com os pais trabalhar em serviços no exterior da pedreira mas muito penosos como confessa um desses «meninos que não tiveram infância»: “O trabalho era tão duro que amarrava as mãos à carrela, com uma corda, para conseguir transportar”.
. Muitos dos meus colegas de escola que viviam na zona de São Gemil ajudavam as mães a fazer em casa as “penas” que serviam para escrever nas lousas.
. Vi muitos dos meus vizinhos a tossir convulsivamente com o “pó nos pulmões” (silicose) que apanhavam nas minas e os matou ainda bem novos. Uma vida passada debaixo da terra, à luz dos gasómetros, sem sol nem céu.
.Eram frequentes os desastres no interior das pedreiras. E muitos lá morriam. Esmagados por um bloco de pedra que se desprendia ou tombava. Afogados pela água duma mina desativada, furada por engano, que invadia as galerias. Abundavam as mulheres vestidas com a cor da viuvez.
Apesar disso, as pedreiras mataram a fome a muita gente. Era um trabalho duro, mas “pagava certinho”. E isso viu-se com a crise, motivada pela impossibilidade das exportações durante a II Guerra Mundial, que obrigou os mineiros a ir para o volfrâmio em Alvarenga e Rio de Frades. As mulheres ficavam sós com uma “ranchada” de filhos para alimentar. Muito sofreram. A tia Albina, uma dessas “viúvas de mortos-vivos”, cuidava de mim quando minha mãe ia para os campos. A necessidade era tanta que ela aproveitava e levava-me para o entroncamento do “Pinheiro Manso” na estrada nº 15. Pegava em mim como seu filho e eu, teria uns dois anitos, estendia a mãozita a pedir esmola aos carros que passavam. Havia sempre uma alma caridosa que tinha pena do “pobre menino que não tinha de comer”… Não era o caso… mas muita fome se passou.
Pretas, eram as pedras e as lousas escolares… mas negra, negra, era a vida.
Gente boa e trabalhadeira. A minha homenagem.