“O jardineiro de Deus” fala de si

Por João Alves Dias

Há dois meses (11/11/2020), faleceu este vulto maior da política e da cultura que, então, recebeu os maiores encómios. Apenas alguns dos mais significativos:

“Figura determinante na consolidação e alternativa na democracia portuguesa, pioneiro em Portugal das grandes questões que hoje, mais do que nunca, se mostram decisivas, homem de grande serenidade e de grandes convicções”. (Presidente da República)

“Um pioneiro, um homem muito à frente do seu tempo a quem a Universidade de Évora e o país muito devem”. (A Reitora, Ana Costa Freitas)“Gonçalo Ribeiro Telles marca a sociedade portuguesa. Estava muito à frente do seu tempo”Morreu Gonçalo Ribeiro Telles. “Portugal perde um sábio”, assinala José Sá Fernandes

“Foi um católico inconformista e determinado. Subscreveu em 1959 e 1965 três importantes documentos de católicos em denúncia da ausência de liberdade, da censura e da repressão, arcando as consequências de uma tal ousadia” (Guilherme de Oliveira Martins, «Gonçalo – o jardineiro de Deus», in 7Margens, 21/NOV/20).

Para conhecermos melhor este português insigne, vamos ler algumas das suas falas (R) na longa entrevista que o Jornal de Negócios publicou em abril de 2009:

P – “Em 1958, decide apoiar a candidatura de Humberto Delgado. Nessa altura, o Centro Nacional de Cultura funcionava como uma plataforma de liberdade, uma congregação de gente desigual que não se encaixava em nenhuma das suas casas de origem.”

R – “ Era um espaço de liberdade, de encontro. Havia gente católica da Igreja do Rato, o Tareco [Francisco Sousa Tavares], o Nuno Vaz Pinto, a Sophia de Mello Breyner, o Alçada Baptista”.

P – “Que relação tem, e foi tendo, com a religião e com o catolicismo? É convicto?”

R– “Pretendo ser, porque ninguém é o que é. Tive uma grande influência familiar e do padre Jalhay. Fui apoiante do bispo do Porto. Escrevi um livrinho sobre a reforma agrária que lhe é dedicado, [a propósito da] pastoral sobre “A Miséria Imerecida do Nosso Mundo Rural”.

P – “Estava a dizer que pretendia ser profundamente católico.”

R – “E por isso fui presidente da Juventude Agrária Católica antes do 25 de Abril. Havia a Juventude Agrária, para os tipos do campo, e havia a Juventude Universitária, [de onde saiu] o Nuno Portas, o Teotónio Pereira e parte do grupo da Capela do Rato.”

P – “Que questões é que o inquietavam?”

R – “Tudo.”

P – “Quem somos, o que fazemos, o problema do Homem?”

R – “Porque é que somos, porque estamos aqui?”

P – “Apoiava-se na religião para responder a isso, ou, pelo menos, para se sentir mais amparado?”

R – “Não há ninguém com quem isto não dê na religião. Tem de dar. A pessoa não tem é certezas. Agora, procuras, tem de as fazer. Todos fazem.”

Como já adivinhou, estou a falar do arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles que, como «Ministro da Qualidade de Vida», pôs em prática, muitos anos atrás, o pensamento da Igreja claramente expresso no n.º 178 da «Fratelli Tutti»: “Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra «é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte».