
Por M. Correia Fernandes
Quatro deputados do Partido Socialista assinaram um projeto de resolução do Parlamento para se realizar a entronização no Panteão Nacional dos restos mortais do escritor José Maria Eça de Queiroz (1845-1900). A iniciativa surge como modo de celebração dos 120 anos do falecimento de Eça de Queiroz, em 16 de agosto de 1900, nos arredores de Paris, onde exercia as funções de Cônsul de Portugal.
Certamente uma tal distinção é sobejamente merecida por este romancista e polígrafo maior da Literatura Portuguesa, em cujos escritos se pode vislumbrar um quadro realista, irónico e satírico da sociedade portuguesa, sobretudo na sua dimensão tradicionalista e na que se convencionou chamar burguesa (e aristocrática), já que os sectores sociais mais populares, por exemplo o mundo rural, mesmo que tardiamente descoberto e idealizado nos últimos escritos, ou o mundo da industrialização emergente não foram especial objeto da sua análise crítica.
O túmulo do escritor encontra-se no cemitério de Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião, onde se situa também a sede da Fundação Eça de Queiroz. O jazigo onde se encontram os seus restos mortais pertencia à família dos Condes de Resende, de sua esposa Emília de Castro Pamplona. Segundo informam os promotores da iniciativa, esta surge na sequência de uma proposta da própria Fundação Eça de Queiroz, que ali tem a sua sede.
O atual Presidente da Fundação, descendente do escritor, Afonso Eça de Queiroz Cabral, justifica a proposta sugerida aos deputados pela relevância com que o escritor se afirma na escola e na cultura portuguesa.
É certo que os mais brilhantes escritores portugueses, entre os quais Luís de Camões e Fernando Pessoa não têm túmulo no Panteão Nacional, uma vez que se encontram noutro lugar nobre, o mosteiro dos Jerónimos. Têm também dignidade de Panteão a igreja de Santa Cruz de Coimbra (D. Afonso Henriques) e a do Mosteiro da Batalha (D. João I).
O Panteão Nacional, instalado na antiga igreja de Santa Engrácia, nacionalizada desde 1834 e transformada em monumento nacional em 1910, acolhe atualmente os túmulos de 12 personalidades, entre as quais os escritores Almeida Garrett, João de Deus, Guerra Junqueiro, Aquilino Ribeiro e Sophia de Mello Breyner Andresen, além de Presidentes (Sidónio Pais, Teófilo Braga, Óscar Carmona, Manuel de Arriaga e o candidato Humberto Delgado). Da sociedade civil registam-se os nomes de Amália Rodrigues e Eusébio da Silva Ferreira.
Não se falou de forma notável para o grande público destes 120 anos da morte de Eça de Queiroz. Mas vale a pena lembrar a importância da sua obra na literatura portuguesa e europeia, com realce especial para a literatura espanhola, onde usufruiu de grande aceitação, logo após a publicação das suas obras.
Se confrontarmos a “fortuna” das obras de Eça em Portugal durante a sua vida, podemos dizer que não foi escritor com grande aceitação. Na segunda metade do século XIX eram escritores mais lidos Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis ou mesmo Arnaldo Gama, com os seus romances históricos. A afirmação de Eça apenas se iniciou após a publicação de Os Maias (1888) e de A Cidade e as Serras (1901), já na transição para o séc. XX. Mas obras suas como os Contos, as Vidas de Santos, ou mesmo os transgressores O Crime do Padre Amaro ou A Relíquia e os seus escritos político-sociais não obtiveram especial divulgação ou concitaram muitos leitores.
Fenómeno interessante a verificar: quase todas as obras de Eça de Queiroz, num tempo em que a Literatura Portuguesa era ali pouco conhecida, salvo as obras de Camões e Gil Vicente, começaram a surgir traduzidas em língua espanhola, ainda que se tenham registado queixas pelo caráter disperso e pelas fracas traduções. A primeira tradução espanhola de Os Maias data de 1904, em Barcelona y Buenos Aires, e no dizer de Ernesto Guerra da Cal (autor de um estudo fundamental Lengua y estilo de Eça de Queiroz (1954)), “muy infiel al original”. Logo em 1900 uma tradução de “El Mandarín” homenageava no jornal “La Época” de 20 de agosto de 1900) a morte de Eça (ocorrida dias antes). Nas primeiras décadas do séc. XX foram numerosos e variadas as traduções de Obras de Eça, que se tornou de longe o escritor português mais traduzido em Espanha, mesmo mais que Fernando Pessoa. As suas “Obras Completas” foram traduzidas em 1948, da editora Aguilar, em papel Bíblia ao lado de outros grandes nomes da literatura universal. Podem registar-se cerca de 130 edições em Espanha das obras de Eça, até 1986, e foi traduzida a quase totalidade da sua obra, em edições completas ou parcelares.
Daqui se deduz a relevância que o escritor foi merecendo ao longo do tempo. Merece por isso um reconhecimento nacional. Ficar entre A cidade e as serras de Santa Cruz do Douro, em frente às terras de Resende, onde se inspirou para A ilustre Casa de Ramires, certamente não o deslustra, porque as retratou e nelas se inspirou. Mas o reconhecimento oficial é largamente merecido.