
No primeiro dia do ano fomos confrontados com a notícia do falecimento, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, sua cidade, de Carlos do Carmo [de Ascensão Almeida], aos 81 anos, completados em 21 de dezembro de 2020, em resultado de “aneurisma da aorta abdominal”, segundo foi anunciado.
Carlos do Carmo, nome artístico que adotou, intérprete exímio do Fado, tornou-se um símbolo da renovação temática e estilística desta canção de Lisboa, tornada canção símbolo de uma certa identidade portuguesa e tornada Património Cultural e Imaterial da Humanidade em 2011, para cuja aprovação muito contribuiu também.
Formado no estilo tradicional, Carlos do Carmo, na esteira de Amália Rodrigues (1920-1999), promoveu e interpretou uma renovação do género e do estilo, particularmente através do recurso a textos de poetas portugueses, de que sobressaiu José Carlos Ary dos Santos (1937-1984). Filho de fadista, criado no contacto com os espaços e os temas dessa canção, seguiu uma evolução pessoal, à medida que se foi tornando figura pública, marcada também por um pensamento reflexivo e estruturado sobre a nossa identidade cultural, que ele vivia, admirava e divulgava. Querendo alargar o universo habitual a mais amplos horizontes, descobriu na poesia de nova dinâmica expressiva (sendo a poesia de muitos fados digna também de fruição e reflexão estética) uma fonte de nova inspiração, que levou ao grande público. Permanecem na memória frases emblemáticas como “Lisboa, toalha à beira mar estendida”, “eu sou o homem que transporta /a maré povo em sobressalto”, “Minha laranja amarga e doce /
meu poema/feito de gomos de saudade, minha pena”, “minha estrela da tarde / que o luar te amanheça /e o meu corpo te guarde”…
As suas opções políticas (amigo de Álvaro Cunhal, ligado ao Partido Comunista, apoiante da esquerda…)terão limitado junto dos influentes (televisão, meios de comunicação) a sua dimensão artística, que no entanto emergiu nos últimos tempos para o apoio popular, como demonstram muitos dos seus últimos concertos, fortemente acarinhado pelo público.
A relevância da sua ação cultural levou a que fosse declarado pelo Governo um dia de luto nacional em sua memória.
CF