Doutor Narciso Rodrigues: recordar um estilo de Igreja pobre

Por Manuel António Ribeiro

Esta grande figura do clero portucalense deixou-nos há 25 anos, a 18 de dezembro de 1995. Entre muitos leigos e padres que ele ajudou a formar, mantém-se vivo o importante contributo que deu para o rejuvenescimento conciliar da Igreja em Portugal. Recordamos a sua memória, reproduzindo excertos de um documento escrito por um grupo de Padres em Mundo Operário, pouco tempo depois do seu falecimento.  

Ao lembrarmos o Dr. Narciso, lembramo-nos do livro «Um século, uma vida», de Jean Guiton. E lembramo-nos de Cardijn que, aos oitenta anos, dizia ser jovem quatro vezes (4X20=80). Como para Deus não há tempo nem idade, o Dr. Narciso foi viver com Ele a quinta juventude, a Eterna Juventude.

Este homem dos homens, dos pobres e de Deus viveu sem dar nas vistas, mas dando vista a muita gente. Era discreto, não queria dividendo do que fazia, mas mostrava a alegria por ser e ter amigos. Ensinava pelo estilo, pelo que não dizia mas sofria. Sofria sem se sentir vítima e chamava as coisas pelo seu nome, sem culpabilizar. Foi Mestre nos caminhos dos pobres e bebeu em Mestres que lhe ensinaram o estilo de Belém e Nazaré.

Um homem profundamente espiritual, ajudava a descobrir a beleza e a força impulsiva do corpo. Ajudou-nos conviver com o animal que há em nós, a gostar dele e a lidar como ele, para o introduzir na harmonia do espírito.

Para ele, a solidariedade era presença, gesto discreto, frase curta, olhar vivo,
silêncio sofredor e oração confiante. Era partilha e empreendimento. Aprendeu-o e ensinou-o nas fileiras da Acção Católica (da JOC, da LOC, e não só).

Viveu situações de conflito e insegurança, sem deixar de ser fiel às suas convicções, sem rupturas mas sem falsas conciliações. Lembremos os momentos de luta nas fileiras da Acção Católica Operária, que mais tarde contava com compreensão e humor, sem neutralizar os erros da história e alegrando-se pela nova consciência que nasceu.

No seminário marcou gerações e ajudou a ligar a fé à vida, a reflectir Deus na História, a escutar os gemidos dos mais pobres como gemidos de Deus Bom Samaritano.

Ensinou que a resposta a Deus é a corpo inteiro e dava-nos a oração de entrega de Charles Foucauld: “Pai, nas tuas mãos entrego a minha vida”… Mostrava-nos o caminho, mas dizia que mais importante que esse caminho era que Cristo fosse na nossa vida “caminho” (verdade e vida). ´

Conhecia e ensinava a dureza do trabalho e o sofrimento de tantos que ganhavam o pão com suor e sangue. Mas ensinava a não ficar esmagado pelo peso da vida e sabia rir, fazer festa, conviver, partilhar o seu café ou a sua garrafa. Sabia acolher e criar laços e fortalecer a corrente.

Morreu pertinho do Natal, porque sempre andou por caminhos de novo nascimento e o dia da morte é o dia de Natal (Dies Natalis). Fechou os olhos da carne junto das irmãzinhas dos pobres, desses pobres que ele sempre amou como irmãos e irmãs.

(Manuel António Ribeiro)