Natal dum judeu marginal

Por Joaquim Armindo

Desde que nasceu a vida de Jesus é de um judeu marginal. À margem, porque não está enredado nas linhas dos poderes, mas entregue a todos os marginalizados e descartados da época e de hoje. Temido pelos dois poderes o do templo e o do político, Jesus nasce à margem de qualquer de qualquer nascimento de um bebé. Os evangelhos relatam que foi numa gruta, não porque José ou Maria quisessem – os pais nunca querem isso para os seus filhos -, mas, sim, por não existir qualquer lugar mais aconchegado. Se fosse nos dias de hoje, seria um sem-abrigo, cuja casa era a rua, mesmo estando determinado que após as 11 da noite não poderia estar, por causa do COVID -19. Talvez tivesse a sorte de passar por lá alguma organização de apoio aos sem-abrigo, eclesial ou outra, e desse a Maria algumas fraldas e um chã quentinho. Assim: Jesus nasce como marginal, num sítio marginal, unicamente aquecido com o bafo de alguns animais. Mas nasce no seio de uma família, onde não falta a Natureza, no Amor de José e de Maria. Esse Amor inaugurado por um nascimento marginal é aquele que ainda hoje persiste em ser a única via de Salvação da Humanidade e do Cosmos.

Durante a sua vida continua a ser marginal. Colhe espigas ao sábado, para espanto dos religiosos. Fala com uma inimiga, dando-lhe a Água Viva, no poço dos samaritanos. Conta histórias de espantar, como aquela de um samaritano que auxilia um judeu, quase a morrer, na berma da estrada, quando os seus amigos do templo passaram adiante, e não será por acaso que Jesus se refere ao sacerdote e ao levita. Ou aquela, do “Pai Misericordioso”, quando o filho lhe leva toda a herança e gasta-a à “boa-vida” e quando, arrependido, regressa, o Pai corre para o acolher e presenteia-o com uma festa, à revelia do irmão que sempre ficou com o pai. Ou quando despede em Paz uma mulher adúltera – o adultério podia não ser sexual -, acusada por tantos “homens cumpridores da lei”, mas incapazes de a cumprir.

Este Jesus, que comemoramos no Natal, é mesmo um marginal, nascido na “margem”, continuou o seu caminho, ao ponto de expulsar os cambistas – homens do dinheiro –, do templo sagrado, cometendo um grave pecado, o de tirar o proveito aos senhores do templo, defraudados pelo dinheiro que os cambistas lhe dariam.

Amor, Misericórdia, Justiça e Paz, de todos para todos, como Fraternidade e Amizade, são, mesmo, neste tempo, marginais, como poderia não ser, e continuar a ser, Jesus um marginal?