Teoria da necessidade

“Precisamos e queremos uma mudança”

Papa Francisco

Por Ernesto Campos 

Quando falamos de necessidade queremos dizer que sentimos  a falta de algo e que precisamos de a eliminar através dos meios adequados, comer quando se tem fome, beber quando se tem sede. É o sentido vulgar da palavra. Na linguagem da ciência económica, porém, a palavra tem um significado muito mais abrangente; além das necessidades básicas, cuja satisfação é essencial à vida, outras há que traduzem desejo de maior bem-estar: não apenas comer, mas comer melhor, não já qualquer meio de transporte, mas um carro caro. Noutro patamar, ainda, o bem-estar psicológico e social, o sentido de pertença, de valorização e afirmação pessoal, de reconhecimento.

Mas a ciência económica, significando o estudo dos meios e dos fins individuais e sociais de satisfazer as necessidades humanas, não diz tudo. A palavra economia significa também a atividade, o esforço e o trabalho necessários para tal efeito. E aqui temos a considerar dois aspetos: um é a hierarquia das necessidades, essenciais ou supérfluas, outro é o valor ético dos meios e dos fins em questão

Com esta pandemia temos experimentado grande dificuldade em encontrar o “justo meio termo” entre o necessário indispensável, a saúde, por exemplo, e o também necessário convívio, relacionamento, manifestação de afeto, contacto pessoal. E, além  disto, a atividade económica de produção, distribuição e consumo que, mais ou menos diretamente, corresponde a formas de satisfação de necessidades, as existenciais e as outras.

O segundo aspeto – ético – é que a ciência económica e o comportamento humano pressupõem uma antropologia, isto é, uma conceção do homem. A história regista uma época, no século XVII, em que se falava de “políticos aritméticos”. Depois vieram os filósofos da moral e da lei natural (século XVIII). Na visão da antropologia cristã, o homem é o centro da vida económica. Sem prejuízo da autonomia científica a economia não pode, assim, reger-se, apenas, por critérios científico-técnicos, mas segundo os valores que configuram o sentido da existência humana. E quanto aos meios, a economia tem um caráter instrumental; daí, ao serviço da pessoa humana, com necessidades materiais e espirituais, como protagonista da política, do pensamento e da atividade económica. Não sujeita ao lucro pelo lucro, nem à política financeira como fins em si.

É este ideário que inspirou o encontro Economia de Francisco, que se realizou em novembro passado, com jovens empreendedores de todo o mundo. O Papa quis dar aos participantes um impulso para a transformação da economia e da sociedade, rejeitando a lógica do “sempre foi assim”.

Neste sentido, do encontro saiu uma carta-compromisso que contém, além da doutrina já insistentemente ensinada duma “e(tic)onomia”, uma surpreendente inovação: que as grandes empresas e bancos globalizados  “possam ter um comité ético independente no seu governo” .

A história regista que o sindicalismo e o movimento  mutualista se desenvolveram após as encíclicas de Laão XIII e Pio XI, nos princípios do século XX.  Esta proposta avassaladora de uma comissão ética nas instituições de poder económico ficará sem resposta nas atuais coisas novas? Introduzir a ética na economia é ousadia necessária para, como  diz o apelo do Papa, “dar vida a esta cultura económica, capaz de fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer esperanças, curar feridas e criar relações.”