
As grandes obras que estruturam as nossas cidades quase sempre começaram por uma igreja à qual se acrescentou, depois, a componente típica da instituição: a parte habitacional se se tratava de um mosteiro ou convento, as enfermarias dos hospícios da Misericórdia e Ordens Terceiras, os dormitórios para a «infância desvalida» ou para os «asilos», etc. Essas igrejas, geralmente encantadoras pela beleza e arte, podem já não ser as primitivas, pois os gostos de cada época e a secular tendência de «dar o melhor» a Deus impuseram novos critérios e levaram a muitas substituições. O que só confirma a sua centralidade.
Uma mente apressada ou laicizada, particularmente se imbuída de neomarxismo, atual forma de serenar consciências descomprometidas, vai encontrar aí matéria mais que suficiente para uma crítica à religião: que se esbanjaram em igrejas recursos que seriam mais úteis a matar a fome ou tratar das doenças; que a sua sumptuosidade mais não representava que ostentação mundana e a fuga do sofrimento dos outros; que muito do dinheiro foi dado por exploradores do povo; etc.
Sem negar que a história também se fez de tudo isso, importa não esquecer o principal: quem reserva o centro para Deus, na vida e na sociedade, está mais apto a tratar dos outros e a comprometer-se com eles. Um coração tocado pelo amor de Deus fica mais sensível para o amor social. Quanto mais não seja porque lhe recordará sempre a sentença do Apóstolo, tão lógica como provocante: “Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4, 20).
Este tempo de dificuldades acrescidas é testemunha disto mesmo: se todas, mas mesmo todas as instituições primam pela dedicação, é às da Igreja que recorre o maior número de esfomeados e é nelas que se busca segurança para o corpo e afago para a alma. Mesmo que essa não tenha sido notícia de primeira página.
Não poderia ser de outra forma. O presépio de Belém constitui a primeira «catedral», a «casa de Deus» e do povo. Deus está lá, em Jesus Cristo. Mas o povo também. Por isso torna-se «laboratório» de uma nova fermentação social traduzida nas idas e vindas, solicitude e afagos, dádivas e presentes, alegria e encontro de pobres e ricos. E até símbolo de nova relação entre a pessoa e a natureza, ali representada pelos animais.
Se Deus está, a pessoa também. É esta a lição do presépio.
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