A moralização do trabalho em tempos de pandemia

Por Jorge Teixeira da Cunha

Aos ouvidos dos pastores chegam frequentemente testemunhos de pessoas que vivem grandes dificuldades para governar a sua vida. Essas dificuldades decorrem principalmente do seu salário ser insuficiente para fazer face às despesas. Falamos de pessoas que estão dentro do mundo laboral, seja no emprego público, seja no privado. No tempo de pandemia que vivemos, essas dificuldades agravam-se, pela escassez de oferta de trabalho complementar, pois muita gente tem de ter vários trabalhos para poder chegar a um salário suficiente. Esta situação oferece-nos motivos para fazermos algumas reflexões, dentro do espírito da doutrina social da Igreja.

Em primeiro lugar, devemos dizer sempre de novo que a ética social cristã insiste que na precedência do princípio fundamental da moralização do trabalho. O trabalho é o centro da questão social e, por isso, deve ser na base dele que se pensa a justiça. A primeira forma de solidariedade social é o respeito pelo direito ao trabalho e ao salário justo. As outras formas são complementares, mesmo as formas de subvenção dos pobres e das formas de caridade. Ora, verificamos que, no funcionamento da nossa sociedade, o trabalho e a exigência da sua moralização não ocupam o primeiro lugar. Isso apesar de toda a eventual boa vontade das pessoas que votam e que decidem o andamento da nossa vida pública.

Na base deste princípio, devemos dizer, em segundo lugar, que há uma grande conveniência de pensar as coisas de outra forma. Quando vemos a discussão sobre o valor ridículo do salário mínimo, por parte de governantes e de parceiros sociais, só nos pode assaltar um pouco de raiva e de perplexidade. A responsabilidade será de repartir por todos. Pelo Estado, antes de mais, que exige em impostos às empresas aquilo que elas deveriam canalizar para o pagamento dos trabalhadores. No que se refere às empresas, devemos assinalar que, segundo consta, o valor percentual do pagamento do trabalho tem sempre vindo a diminuir, em relação com outros custos, como a tecnologia, os custos de capital e de investimento e os lucros distribuídos pelos accionistas. Ora isso necessita de ser corrigido, pois o factor trabalho será sempre o mais importante. O que chamamos “factor trabalho” são as pessoas reais que são o motor da economia e de tudo o resto. Como é possível que o ser humano seja subalternizado em relação ao peso enorme que a instituição hoje tem?

Há aqui um grande campo para pensar a nossa democracia actual. A Igreja pode dar um grande contributo, ao lembrar, de vez em quando, os princípios da sua doutrina social. O tempo da pandemia leva-nos a levar apoio urgente e a concentrar-nos no aspecto caritativo. Mas esse socorro não pode ser uma forma de secundar a situação básica de injustiça que é não pagar um salário justo a quem trabalha. O sector social, que a Igreja desenvolve, tem um imenso mérito. Mas não pode ser uma forma de eternizar o pagamento injusto do trabalho, como vem acontecendo, com grande complacência nossa.

Nos dias que correm, é tempo de empenhar esforços em ganhar a batalha contra a doença física. Mas é necessário também coragem para pensar as irregularidades da vida da comunidade da política. A escuta de Deus neste Advento há-de ajudar-nos nos dois aspectos complementares.