Lições de uma emergência

Foto: João Lopes Cardoso

Com a recente declaração do estado de emergência e consequente decreto a impor o recolher obrigatório nas tardes de sábado e de domingo, os fiéis que desejam santificar o Dia do Senhor participando na celebração eucarística ficaram privados de dois terços do tempo útil para o fazer. Resta-lhes a manhã de domingo.

Vendo o presente em perspetiva histórica, essa foi a situação vivida durante mais de mil anos na Igreja Católica. A disciplina do jejum eucarístico, que obrigava desde a meia-noite de sábado para domingo, tinha como consequência a concentração das celebrações eucarísticas nas horas matinais. A maior parte dos sacerdotes era madrugadora como, aliás, a generalidade dos fiéis. As diversões noturnas, televisivas ou outras, ainda não tinham alterado os nossos ritmos de repouso levando-nos a viver desfasados dos ritmos da natureza.

As «missas vespertinas» – assim chamadas porque celebradas em horas «vespertinas» – isto é, de tarde – só foram possíveis nos anos 50 quando, sob o pontificado de Pio XII, a disciplina do jejum eucarístico prévio à comunhão sacramental foi diminuída para 3 horas. Então foi também possível restaurar as celebrações do Tríduo Pascal restituindo à «verdade das horas» a Missa da Ceia do Senhor, a Celebração da Paixão do Senhor e a Vigília Pascal… Começaram, depois, a vulgarizar-se as «missas vespertinas», até porque a disciplina do jejum eucarístico foi ulteriormente suavizada (1 hora) a ponto de hoje ter praticamente desaparecido na consciência dos católicos. Os padres, cada vez menos, valeram-se desta faculdade para proporcionar aos fiéis um tempo alargado para o cumprimento do preceito dominical: a tarde do próprio dia santo de preceito e a do dia precedente (porque, segundo as normas litúrgicas os domingos e solenidades começam com as primeiras vésperas) vieram somar-se à manhã.

Diga-se, de passagem, que a solução preferida foi a da «sabatização» com clara perda, por parte dos fiéis, do sentido do dia do Senhor com todos os valores que tem anexos. A esse debate será necessário regressar!

Mas teriam os padres alternativas? Tendo a agenda da manhã de domingo amplamente preenchida, como responder às solicitações de cada vez maior número de fiéis encomendados à sua solicitude pastoral quando os bispos – sem alternativas, por falta de recursos humanos – lhes confiam o ofício de uma segunda, terceira, quarta paróquia (e por aí adiante…)? Quem recorda a regra canónica de que o presbítero só deve celebrar uma Eucaristia por dia, podendo «binar» em dias feriais e «trinar» – a título excecional – aos domingos e dias santos de guarda (cf. CDC, cân. 905, § 2)? No impulso generoso de responder às necessidades espirituais dos fiéis, os padres esquecem-se da sua própria saúde e equilíbrio e ou se tornam «misseiros» rotineiros e maquinais ou entram em processo de implosão física e espiritual.

Claramente tocamos no limite e, porventura, já o ultrapassamos. A resposta tem de ser outra. Enquanto a pastoral vocacional não der mais frutos e enquanto se mantiver a disciplina canónica no acesso ao presbiterado – e os resultados do Sínodo da Amazónia indicam que tão cedo não haverá mudanças – há que percorrer as portas entreabertas já pelo II Concílio do Vaticano (SC 35,4), pelo Código de Direito Canónico (CDC, cân. 1248 § 2) e por ulteriores documentos tanto da Sé Apostólica, como das Conferências Episcopais (incluindo a portuguesa) e dos bispos (incluindo o(s) do Porto): celebrações dominicais na ausência do presbítero.

Essa solução é imperfeita? Sem dúvida. É arriscada? Não mais do que o caminho que se tem percorrido. É exigente? Muitíssimo. Obriga a pôr em prática o tão propalado e agora em voga «princípio da sinodalidade», que nada tem de inédito. Nos tempos de D. António Ferreira Gomes e de D. Júlio Tavares Rebimbas chamava-se «corresponsabilidade».

Uma coisa é certa: enquanto não for possível retomar as missas vespertinas, a resposta possível às necessidades dos fiéis que desejam e podem santificar o Dia do Senhor numa celebração comunitária, mesmo sem o sacrifício eucarístico, em que possam saciar-se à mesa da Palavra e do Corpo do Senhor é organizar tais celebrações durante a manhã de domingo nas igrejas não contempladas pela celebração da Santa Missa que os seus padres estarão a celebrar nessa mesma manhã noutras igrejas igualmente confiadas à sua solicitude. Não faltarão leitores, acólitos, ministros extraordinários da comunhão, cantores, catequistas – porventura até diáconos – disponíveis para colaborar corresponsavelmente nesse serviço às suas comunidades.