
Por Ernesto Campos
“Pertence ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil.”
Catecismo da Igreja Católica, n.º 1927
Bastará citar a definição operatória de bem comum que a Encíclica Mater et Magistra, de S. João XXIII, propõe para nos guiar na reflexão sobre o “exercício das liberdades naturais indispensáveis à realização da vocação humana”, agora limitadas por força da pandemia. O bem comum é “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”, diz a encíclica. Trata-se, portanto, de uma tarefa a prosseguir em favor do desenvolvimento de que todos e cada um participam.
Num tempo de políticas mesquinhas, de acordos que sobrepõem interesses eleitorais imediatos a princípios civilizacionais, importa lembrar que no pensamento humanista e cristão o relacionamento social e político está incontornavelmente sujeito aos valores éticos, de que o bem comum é, também, expressão, pois que aponta à própria perfeição como meta a atingir e utopia motivadora.
É na comunidade política que se encontra a realização mais completa do bem comum de cada povo. Cabe-lhe, pois, “harmonizar com justiça os diversos interesses sectoriais. A correta conciliação dos bens particulares de grupos e de indivíduos é uma das funções mais delicadas de poder político. Além disso, não se há de olvidar que, no Estado democrático – no qual as decisões são geralmente tomadas pela maioria dos representantes da vontade popular -, aqueles que têm responsabilidade de governo estão obrigados a interpretar o bem comum do seu país.”, lê-se no número 169 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, que, aqui, vimos seguindo.
É sabido que este assunto tem dado lugar a alguma discrepância entre o setor público, por um lado, e o privado e social, por outro, na área da saúde. O Serviço Nacional de Saúde esgota-se para atender os casos da pandemia, deixando de lado outras doenças.
O Estado tem-se mostrado relutante em negociar com o setor social e privado uma parceria para evitar sujeitar-se, mesmo com risco de colapso, à imagem pública de estar com a forca na garganta; e relutante até na aceitação de instalações de retaguarda disponibilizadas por perticulares. Tal presunção de autossuficiência e incapacidade de harmonizar os diversos interesses não são forma de servir o bem comum. O Estado deve estar pronto a intervir sempre que for necessário, mediante compensação adequada, como disse o Presidente da República ao apresentar o estado de emergência. Os interesses privados, por seu turno, não podem esquecer o dever de solidariedade e o princípio do destino universal dos bens. É em nome deste princípio que a qualquer forma de posse privada tem de reconhecer-se a respetiva função social. E o Estado não esquecerá que a sociedade civil e o bem comum são a sua razão de ser.
Nas presentes circunstâncias, o critério da razoabilidade das medidas do estado de emergência será: 1.º serem limitadas no tempo e no espaço; 2.º serem uma verdadeira necessidade da saúde pública; 3.º serem proporcionadas e adequadas a tal necessidade e técnica e cientificamente fundamentadas; 4.º terem apoio político alargado.
A saúde pública não pode ser nem um negócio especulativo nem um capricho prepotente. E o bem comum é tanto o bem da comunidade, como a comunidade dos bens, incluindo a saúde.