
Por Lino Maia
Se em abril se falava de “milagre português” e as instituições conseguiram, em grande escala, impedir a entrada do inimigo “invisível”, o que aconteceu para que, meses depois, seja outro o panorama? Por que motivo surgiram os surtos em ERPI e outras respostas residenciais? São questões cruciais que se colocam.
Numa primeira abordagem, algumas razões:
- Ignorância do papel, estrutura, forma de organização e intervenção do Setor Social e Solidário, primordialmente, em certos setores e serviços da área da Saúde (em especial, a DGS e Delegações de Saúde).
- A Saúde não tem tradição de articulação com o Setor Social e Solidário (com raras e muito honrosas e virtuosas excepções como é o caso da articulação com os Hospitais das Misericórdias na Região Norte) e por isso só residualmente o reconhece como um parceiro estratégico, chegando mesmo alguns serviços a ostracizar qualquer colaboração. Mês após mês foram sendo (re)definidas novas regras, novas estratégias existindo uma ignorância consciente sobre este setor e o papel que assume na sociedade. É disso exemplo o “Plano da Saúde para o Outono/Inverno 2020-2021”.
- Desconhecimento das respostas sociais e de saúde residenciais existentes, confundindo conceitos e setores (privado, solidário) contribuindo para a incerteza da aplicabilidade das orientações emanadas e a desinformação da opinião pública;
- Desativação pelo MTSSS do Gabinete de Crise que, em contexto de Estado de Emergência, agregou as forças e competências das entidades públicas e Organizações Regionais do Sector Social (ORSS) na procura das soluções mais ajustadas aos problemas/dificuldades que surgiram fruto do novo contexto de pandemia, perdendo-se uma importante e fundamental fonte de articulação e intervenção.
- Desrespeito pelas Instituições, na definição dos procedimentos estratégicos de intervenção a garantir perante casos suspeitos de infeção por SARS-CoV-2, no âmbito dos estabelecimentos de apoio social de cariz residencial, definindo papéis e responsabilidades para as diferentes entidades – Saúde, Segurança Social e Proteção Civil – ignorando as ORSS, as próprias Instituições e as Direções que as representam.
- As Direções das Instituições são apenas consideradas no momento em que se pretende que sejam responsabilizadas por toda a atuação, de caráter preventivo, a assegurar na Instituição, sendo “obrigadas” a assumi-lo num “Termo de responsabilidade da Direção da Instituição”, mesmo não dependendo exclusivamente da sua ação a garantia do seu cumprimento, que, inclusive, em momento algum poderá ser integralmente garantido;
- Em contexto COVID-19 positivo, uma vez mais por ignorância da estrutura dirigente das Instituições o que toma a forma de propositada afronta às Direções e suas competências, são identificadas as Direções Técnicas como interlocutores das entidades públicas, incutindo responsabilidades a estes trabalhadores que são competências dos seus órgãos sociais;
- Previsão de ações de acompanhamento mensal aos estabelecimentos de apoio social de cariz residencial, de caráter preventivo, sem que as mesmas tenham uma aplicabilidade efetiva e uniforme no território nacional, sendo, em muitos casos, substituídas pela recolha, à distância via e-mail, de informações por via da aplicação de uma grelha de avaliação maioritariamente de resposta fechada (sim/não), de cumprimento/incumprimento, sem qualquer possibilidade de adequação ou enquadramento da respetiva resposta. O caráter preventivo e pedagógico, que acreditamos estar inicialmente inerente a este objetivo, fica por cumprir.