E agora, sem «Missas Vespertinas»?

Foto: João Lopes Cardoso

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

As autoridades constituídas decretaram o recolhimento obrigatório em horários que afetam seriamente a vida pastoral e litúrgica das nossas comunidades: ao sábado e domingo, a partir das 13 h, e até às 5 horas do dia seguinte. A não ser que se abram exceções – não previstas no momento em que este artigo é redigido –, isso implica o cancelamento de todas as Missas vespertinas dominicais: tanto nas tardes de sábado como nas de domingo.

Muitos dos nossos párocos têm a seu cuidado um número crescente de paróquias e não é razoável pedir-lhes que celebrem mais de três Eucaristias numa manhã de domingo: a santidade do Dia do Senhor e da Assembleia Santa reclama uma celebração minimamente solene e sem precipitação; é preciso tempo para as deslocações com segurança entre igrejas; a saúde dos celebrantes, muitos de provecta idade, requer algum abrandamento no ritmo das atividades pastorais. Calculamos que, globalmente, a redução do número de Eucaristias rondará os 50%.

Há quem proponha que se considere tempo válido para «cumprir o preceito» a manhã de sábado; consequentemente, os párocos deverão reagendar para horas matinais as celebrações a que habitualmente presidem durante a tarde… Mesmo na hipótese de as agendas estarem livres para tal – e nem sempre é o caso –, julgamos esse caminho precipitado e perigoso.

O mandamento que obriga os católicos a participar na Eucaristia aos domingos e dias santos de preceito é lei eclesiástica geral (Código de Direito Canónico can. 1247-1248; cf. Catecismo da Igreja Católica 2180) que só pode ser alterada pela suprema autoridade da Igreja. Aí se prevê que «cumpre o preceito de participar na missa quem a ela assiste onde quer que se celebre em rito católico, quer no próprio dia festivo quer na tarde do antecedente» (CDC 1248 § 1; CatIgCat 2180). Os pastores da Igreja podem «dispensar» do preceito, podem recomendar que os cristãos impedidos por justa causa de participar na Eucaristia dominical participem na Eucaristia noutro dia ou realizem atos de piedade supletivos. Mas têm de ser claros: em tal caso, os fiéis não cumprem o preceito da Igreja. Muito menos celebram a Eucaristia do Dia do Senhor! A propósito, releia-se a Exortação Apostólica Dies Domini de São João Paulo II (31 de maio de 1998): «O tempo útil para o cumprimento do preceito começa já na tarde de sábado, por coincidência com as primeiras Vésperas do domingo. Do ponto de vista litúrgico, o dia festivo tem efetivamente início com as referidas Vésperas» (n. 49). A «verdade das horas» obriga a dizer que as vésperas não são de manhã!

Continuando a falar com clareza, reafirmando que quem deliberadamente falta à obrigação da Missa dominical comete um pecado grave (cf. CatIgCat 2181) teremos também de dizer que, «por motivo sério» (e muito mais em situações de objetiva impossibilidade), o preceito não obriga. A propósito, recordamos a recomendação do Código de Direito Canónico: «Se for impossível a participação na celebração eucarística por falta de ministro sagrado ou por outra causa grave, recomenda-se muito que os fiéis tomem parte na liturgia da Palavra, se a houver na igreja paroquial ou noutro lugar sagrado, celebrada segundo as prescrições do bispo diocesano, ou consagrem um tempo conveniente à oração pessoal ou em família ou em grupos de famílias, conforme a oportunidade» (cân. 1248 §2).

No caso presente, e porque as Igrejas estão drasticamente diminuídas na sua lotação pela necessidade de salvaguardar distanciamentos, pedir aos fiéis privados da Eucaristia dominical nas suas comunidades que se desloquem a outras igrejas pode não ser solução e apenas deslocar o problema. Mais razoável será proporcionar-lhes na sua própria Igreja uma «celebração dominical na ausência do presbítero» conforme a Igreja tem previsto e a nossa Conferência Episcopal enquadrado em livro próprio.

Uma última indicação parece oportuna: a impossibilidade de cumprir o preceito eclesiástico não dispensa ninguém – nem mesmo aqueles que não podem ou não devem sair de casa por causas alheias à sua vontade – de cumprir o mandamento divino de santificar o dia do Senhor. Isso pode fazer-se de múltiplas formas: vivendo na alegria espiritual o dia da ressurreição do Senhor Jesus; realizando com amor sublimado os serviços que a convivência familiar reclama, sem descurar o conveniente repouso do corpo e do espírito;  dedicando um tempo razoável à oração pessoal e, se possível, em família, com a leitura da Sagrada Escritura e outros exercícios de piedade; unindo-se espiritualmente, se possível, a alguma celebração eucarística transmitida pela rádio, televisão ou internet; estabelecendo contacto, pelos meios disponíveis, com familiares, amigos e conhecidos, privilegiando os que mais sofrem a doença ou a solidão; estando solidariamente atento às necessidades e alegrias dos vizinhos…