
Por Jorge Teixeira da Cunha
Não se pode começar este texto sem erguer o pensamento para os dois colegas sacerdotes servidores da nossa Diocese do Porto que encontraram a morte neste contexto de pandemia e quem nem honras fúnebres se pode prestar. A hora é incerta para a morte certa. Para o P. Horácio e para o P. Pires Bastos vai a nossa lembrança na comunicação dos santos e a esperança de que, desde o coração de Deus, possam continuar a desempenhar o seu ministério em favor do povo que longamente serviram.
Os titulares do Estado têm tomado medidas para conter a doença. Essa tarefa compete-lhes enquanto servidores do bem comum. As limitações à circulação que são impostas têm certamente razão de ser, sobretudo para que o aumento do número de pessoas a necessitar de cuidados médicos não venha a esgotar a capacidade das unidades de saúde. Estamos numa situação que não tem paralelo, pois nenhum dos vivos de hoje passou por algo de semelhante ao que estamos a passar. As medidas têm, por isso, um carácter necessariamente experimental e são passos no escuro, até certo ponto.
Porém, aventuramos a sugerir duas coisas que não são propriamente políticas e deveriam também ser ensaiadas, pois nos parece que têm a sua razão de ser, para lá da legislação compulsiva e da limitação da liberdade pura e simples.
A primeira diz respeito ao apelo mais convincente aos comportamentos defensivos das pessoas. Existe nas nossas universidades e sobretudo na vida empresarial um saber e uma técnica dirigido à motivação e orientação dos comportamentos que não tem sido usado convenientemente. Esse condicionamento positivo é plenamente justificado numa situação como esta, pois se dirige à liberdade das pessoas, motivando-as para comportamentos defensivos em relação ao contágio e ao fortalecimento das defesas e talvez da imunidade. Não vimos até agora o governo a recorrer à essa capacidade das ciências e técnicas do comportamento, em ordem a diminuir o contágio e a combater a doença por essa via. Isso ainda pode vir a ser possível e necessário. A televisão e a imprensa podem ter um grande papel nisso.
A segunda coisa que queremos dizer é relativa ao papel da fé cristã, como forma de enfrentar a doença e aumentar a imunidade. Claro que não estamos a falar de algo paralelo com a sugestão anterior, mas de algo diferente. Em que medida a atitude religiosa pode melhorar o nosso enfrentamento com a doença? É necessário evitar, desde logo, qualquer confusão com os conhecidos mecanismos da superstição que sempre assediam a alma humana nestas circunstâncias. Então de que se trata? Trata-se de apelar ao exercício do acto de fé e da oração. No acto de fé, o ser humano é encontrado por Deus, que nesse acto, se torna Deus, ao mesmo tempo que o ser humano se torna humano. É então que cresce tanto a identidade do verdadeiro Deus e a identidade humana do ser humano. Reparemos que esse encontro acontece no contexto de vulnerabilidade: é sempre um encontro pascal, nesse momento eterno em que Deus encontra a vulnerabilidade e o sofrimento, e o ser humano, na sua indigência, encontra estendida a mão criadora e redentora de Deus.
Até agora quase só temos ouvido dizer que os momentos de oração podem levar a propagação da doença e isso pode até ser verdade. Mas seria necessário que alguém dissesse também a outra parte, ou seja, que proclamasse que há uma virtualidade no acto de fé para o robustecimento da energia humana de viver e para a cura da doença.