
Por Alexandre Freire Duarte
(“Os filhos do homem”, USA, 2006; dirigido por Alfonso Cuarón; com Julianne Moore, Clive Owen, Chiwetel Ejiofor e Michael Caine)
Face à atual pandemia, já trouxe a esta rubrica a apreciação de um dos filmes que mais tem sido evocado como metáfora para aquela: “WWZ – Guerra Mundial”. Aproveitando a carestia de filmes marcantes nas salas de cinema, decidi elaborar uma breve ponderação teológica sobre uma obra que, mais do que aquele filme, bem pode iluminar o que estamos a viver: “Os filhos do homem”.
A sua trama decorre num cenário caótico e violento (atualmente sonhado por tantas pessoas) em que a espécie humana, fruto de uma misteriosa pandemia, deixou de poder ter filhos. Face a isto, o mesmo é imediatamente uma provocadora e tocante lembrança do milagre e da bênção divina que é toda e qualquer criança. O milagre e a bênção, pois, de uma certa esperança dotada de uma força inocente capaz de poder vir a retificar a existência. É, também, um grito de vida e de liberdade que delata todos os regimes que tentam dar a ilusão de normalidade com medidas controladoras, restritivas e punitivas. Medidas pensadas para encobrirem as suas incompetências e degradações morais, mas que tornam tais regimes impotentes face à anarquia e ao terrorismo suscitadores de ansiedades e receios bem piores do que tal pandemia.
Tais estratégias anulam a hipótese de existir outra confiança além da que cada um tem por si mesmo. Isto, tal como nos mostra “Os filhos do homem”, é do que de mais fatal pode haver para uma humanidade que, ou deixa de criar aleatórias barreiras autoimpostas alheias a um Deus-Amor que ignora limites, ou pura e simplesmente perecerá. Diante disto, é notável o modo como este filme, adotando uma cinematografia análoga às dos documentários, faz com que, em geral, nos sintamos visceralmente conectados com o que ele vai exibido, imprimindo tangíveis perceções de pavor e expectativa. Pena é que já não o logre fazer a nível do que seria o impacto psicológico resultante de uma humanidade estéril (como, em tantos aspetos, já é a nossa, mais ainda quando parece deliciar-se com a [in]cultura do homicídio eufemizado).
O personagem principal tem fortes ressonâncias crísticas, levando este filme a assomar uma espécie de fábula cristã. Chama-se “Theo” (termo que tanto pode ser um nome banal, como designar “Deus” em grego) e é ferido nas mãos, pés e lado antes de morrer para entregar uma “última” (?) e desabrigada nova criança a um barco com o nome de “Amanhã”. Contudo, ficamos com a sensação, fortalecida pelo abrupto final do filme, de que nada é claro na sua afunilada perspetiva narrativa. Isto, quer os responsáveis desta obra o tenham desejado ou não, é eficaz na manifestação de que nenhum projeto meramente humano pode ser a esperança para uma humanidade que está afligida, não apenas por doenças e pandemias naturais, mas sobretudo espirituais. A saber: o egoísmo, o amor-próprio, o desamor e as suas consequências.
Na realidade, e face a tal panorama em que todos nós vivemos, o fundamental é a ação divino-humana operada por Cristo Jesus há dois mil anos e por Ele continuada na Igreja, graças ao Seu Espírito Santo que a gera diariamente. Uma Igreja que só serve fecundamente quando não nos apercebemos disso, porquanto elevados, por tal serviço, ao agradecimento a Deus e à entrega aos demais.
(* USA, 2006; dirigido por Alfonso Cuarón; com Julianne Moore, Clive Owen, Chiwetel Ejiofor e Michael Caine)