A parábola dos dois amigos

Por João Alves Dias

Certo dia, dois amigos decidiram ir passear junto ao mar. Ao caminhar na praia, acabaram por se desentender. O mais velho injuriou o companheiro que se inclinou e, em silêncio, escreveu na areia: «Ofendido». Continuaram a andar até que uma onda mais forte arrastou o mais novo para o mar. O colega atirou-se à água e trouxe-o para terra. E ele escreveu numa pedra: «Salvo». Surpreendido, o companheiro perguntou-lhe: – “Por que é que agora escreveste numa pedra quando há pouco escreveste na areia?” Ao que ele respondeu: -“ Na vida procuro esquecer as coisas más que me fazem. Por isso, escrevo-as na areia. Virá o vento, virá a água e rapidamente as apagarão. O que quero reter na memória e no coração é a gratidão que sinto pelo bem que me fazem. Isso, escrevo-o nos rochedos para que nem as vagas mais alterosas o apaguem.

Há pessoas que, por uma pequena desconsideração, ficam zangadas e nunca mais a esquecem. Há outras que desvalorizam as incompreensões e valorizam os mínimos gestos de ajuda e simpatia.

E eu?

Há duas passagens evangélicas que sempre me questionam. A primeira é a da mulher adúltera: “Jesus, porém, inclinou-se para a frente e escrevia com o dedo na terra”. Porque é que o Evangelho regista «onde» e «com», e nada diz sobre «o» que escrevia? A “Mestra Maruja”, minha catequista, dizia-me que escrevia os pecados dos acusadores. Mesmo a ser verdade, esse registo rapidamente se apagaria porque “escrevia «com» o dedo «na» terra” (Jo. 8,1-11).”.

A outra passagem é resposta de Jesus aos discípulos de que fala o Evangelho de S. Mateus (18,1-6): “Se não vos tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos Céus”. Porquê «como as crianças»? Para mim, o que os adultos mais têm a aprender é a facilidade com que uma criança esquece o mal que um colega lhe fez. Tanto estão zangadas como, no momento seguinte, já brincam como se nada tivesse acontecido. Não ficam mágoas nem ressentimentos. Elas não dizem: “perdoo mas não esqueço”…

Recordo duas vizinhas que se zangaram por causa duma “bulha” entre filhos. Ficaram de relações cortadas por muito tempo e até os proibiram de se falar, mas eles, às escondidas, continuaram a brincar. Em contraponto, lembro o Francisco, meu colega de infância. Sempre que podia, agarrava-me e atirava-me ao chão. Um dia, derrubei-o e ele magoou-se numa pedra. A chorar, disse à mãe que foi queixar-se a minha casa. Minha mãe ouviu-a e disse: – “Olha Rita, se hoje o meu bateu no teu, o teu também já bateu no meu. Estão pagos. Deixa-os brincar. Eles entendem-se.”. E assim aconteceu…

“ O mythos deloi oti” (A fábula mostra que…), assim terminavam as fábulas de Esopo que sempre apresentavam uma moralidade. No caso vertente, a moral é fácil de compreender mas difícil de praticar…

“Dar e perdoar é tentar reproduzir na nossa vida um pequeno reflexo da perfeição de Deus, que dá e perdoa superabundantemente.” (Papa Francisco, Exortação Apostólica “Sobre a chamada à santidade, nº81”). Belo propósito para este “Mês das Almas”.