A “Fratelli Tutti” na Imprensa

Por João Alves Dias

É com vénia que me faço eco de três jornais de referência com textos assinados por teólogos que há muito admiro.

. “A proposta do Papa parte da situação do nosso tempo, onde a globalização nos tornou vizinhos, mas não irmãos uns dos outros. Pelo contrário, estamos mais distantes e sós, mais desagregados e vulneráveis, limitados ao estatuto de espectadores e consumidores. De forma manifesta, as nossas sociedades mostram dificuldades em constituir-se como um projeto que diga respeito a todos. Obviamente não nos sentimos companhia do mesmo barco e locatários da mesma casa comum. (…)

Os heróis do futuro serão aqueles que souberem esquecer a lógica dos seus interesses e se decidam a romper o cerco atual da indiferença, sustentando amigável e universalmente uma palavra densa de verdade humana. A “amizade social” é uma categoria para enquadrar no âmbito da fraternidade, da prática comprometida da solidariedade e de uma ativa compaixão. E aí todos podemos fazer mais.

(Tolentino Mendonça, in Semanário Expresso, 10.10.2020)

 

. “A encíclica é um convite à esperança activa, com o samaritanismo. O exemplo é o bom samaritano. Ele era um estrangeiro, mal visto pela ortodoxia, e também tinha os seus afazeres. Mas, à beira da estrada, jazia um desgraçado semimorto, e ele parou, ajudou-o no que pôde, levou-o para a estalagem, pagou e disse que pagaria todas as despesas… Foi ele e não os dois religiosos (o sacerdote e o levita) o próximo daquele abandonado. “Vai e faz o mesmo.”

Para os cristãos, todos os seres humanos são irmãos e irmãs, porque há um Pai comum, Deus. Mas a fraternidade podemos ir bebê-la também, paradoxalmente, à mortalidade, como viu Herbert Marcuse, que não era crente. Já em vésperas de morrer, voltou-se para o amigo Jürgen Habermas: “Agora sei, Jürgen, em que é que se fundamentam os nossos juízos de valor mais elementares: na compaixão, no nosso sentimento pela dor dos outros. Somos mortais: logo, somos irmãos.”

(Anselmo Borges, in DN,10.10.2020)

 

. “A sensação, ao meditar este documento, foi a de uma narrativa em que tudo me parecia novo. Não era a primeira vez que me surpreendia a sua capacidade de construir uma teologia de correlações surpreendentes entre os textos bíblicos e as realidades actuais, que mutuamente se iluminam.

 Este longo texto é o exercício continuado dessa luminosa correlação. Deve tornar-se o modelo inspirador para os padres que, por preguiça, repetem os textos bíblicos, que publicamente acabaram de ser proclamados, sem que dessa pregação brote a voz nova do espírito de Cristo para iluminar a vida concreta dos cristãos e não cristãos. Sem esse acontecimento, as homilias são uma seca.

Por essa razão, a desgraça que pode acontecer a esta encíclica é que se torne moda repetir: «como diz o Papa Francisco…» Ora, o que interessa é que este texto provoque novos textos, novas intervenções, novas análises, novos estudos, novas investigações e, sobretudo, novas práticas sociais, culturais, económicas e políticas.

(Frei Bento Domingues, in O Público,11.10.2020)