
Por M. Correia Fernandes
Repetidamente vem a terreiro a questão do papel das mulheres na Igreja (Católica). Os que estão de fora acusam a Igreja de não ser suficientemente sensível aos avanços do papel e função das mulheres na sociedade, ignorando o sentido da sua fundação e da sua história.
Repetidamente o Papa Francisco tem vindo a realçar o papel das mulheres na Igreja, atribuindo-lhes cargos de acompanhamento e mesmo de decisão, como aconteceu recentemente com a nomeação de cinco mulheres para o Conselho de Assuntos económicos da Santa Sé. Em 8 de outubro deste ano, defendendo uma maior presença laical, salientou especialmente a “presença feminina relevante na Igreja”.
Igualmente o Presidente Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, propôs uma “mudança de paradigma”, com a valorização do papel das mulheres nos lugares de decisão, à imitação do entendimento do Papa Francisco. Afirmou que “junto com o ministério dos apóstolos, segundo a tradição católica, importa valorizar os sinais femininos”, lembrando o modelo da presença materna de Maria.
Este acentuar de uma nova dimensão da ação pastoral da Igreja leva-nos a centrar-nos nas suas raízes, verificando que o papel da mulher foi essencial na génese do cristianismo. Importaria lembrar, para além da mãe Maria, o papel decisivo de mulheres como Maria Madalena, primeira testemunha da Ressurreição, e sublinhar a presença evangelizadora da mãe de Jesus no início da Igreja, em dia de Pentecostes, no primeiro anúncio de Jesus como Messias e no primeiro universo de batizados. Lembre-se também o papel decisivo de muitas mulheres no início da evangelização, como a macedónia Lídia, como o casal Áquila e Priscila, e como aquelas que saúda Paulo no final da Carta aos Romanos, a Maria e a caríssima Pérside “que muito trabalhou pelo Senhor”.
Poderíamos mesmo a firmar que entre todas as organizações humanas nenhuma deu mais preponderância à presença e ação das mulheres do que a Igreja na sua atuação e anúncio. Testemunham-no tanto as numerosas jovens que se tornaram cristãs e que por isso foram martirizadas, como aquelas que ficaram na história e na tradição, como Inês, Cecília, Bárbara, Catarina, Luzia, figuras simbólicas de um universo de quantas compreenderam e realizaram até à heroicidade o mistério cristão.
Outras ficaram na História pela sua sabedoria, arte, disponibilidade, humanismo da simplicidade de vida, como Hildegarda de Bingen (1098-1179), que associou a mística beneditina à teologia, medicina, música, arte e ao culto da natureza. Inevitável, pela sua relevância na História da Igreja a referência a Santa Catrina de Sena (1347-1380), dominicana, que aliou o seu saber filosófico e teológico ao esforço e intervenção pelo regresso do Papa a Roma e pela unidade do Papado após o cisma.
Que diremos de Santa Teresa de Ávila (1515-1582), que com o impulso da sua espiritualidade carmelita, aliou o sentido religioso e místico da vida a uma capacidade organizativa e dinamizadora da vivência comunitária das realidades humanas, pela literatura, pela poesia, cujas sobras são tidas por modelo da linguagem castelhana.
E teremos que passar igualmente por outra Teresa, a de Lisieux (1873-1897), que, na simplicidades da sua vida e da sua escrita, propunha a verdade essencial do evangelho e a dinâmica da missionação. Canonizada em 1925, assume-a a Igreja com Padroeira da Missões.
E mais perto de nós, duas figuras da conversão, do pensamento e da pedagogia do sentido humanista da vida: uma, Edith Stein (1891-1942), filósofa e teóloga de origem judaica, tornada Teresa Benedita da Cruz, morta no campo de concentração de Auschwitz, canonizada em 1998, por João Paulo II que a lembrou como “Ilustre filha de Israel”, e que o Papa Francisco recordou a santa como “mulher de diálogo e de esperança” e designada padroeira da Europa; outra, visionária e também vítima da intolerância, Simone Weil (1909-1943), numa busca densa e constante de uma espiritualidade inter-religiosa, encontrando no diálogo com o teólogo Gustave Thibon (1903-2001), um projeto de relação criadora entre o pensamento cristão e as visões da mística do mundo oriental. Não é uma santa reconhecida, mas uma pensadora cujo sentido ascético da vida a aproxima do espírito dos ascetas cristãos.
Quantas outras mulheres inspiradoras havíamos de encontrar na história do pensamento e da ação do Igreja? Teresa de Calcutá? Rita de Cássia? Clara de Assis? Escolástica, irmã de S. Bento? Isabel de Portugal?
Cada pessoa, mulher ou homem, encontre nelas um modelo a seguir.