A Eucaristia pelos Fiéis-Defuntos

Foto: João Lopes Cardoso

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Numa leitura bíblica da liturgia exequial bem conhecida, a Sagrada Escritura louva a  «ação muito digna e nobre, inspirada na esperança da ressurreição» de Judas Macabeu que, tendo feito uma coleta, enviou para Jerusalém uma quantia avultada para que fosse oferecido um sacrifício de expiação pelos pecados dos combatentes tombados na batalha (cf. 2 Mac 12, 43-46). Desde eras imemoriais que os cristãos seguem este exemplo tão elogiado. Vivendo num tempo em que todos os sacrifícios antigos de Israel ou das outras religiões foram superados e substituídos pelo único, perfeito e definitivo sacrifício de Cristo que a si mesmo se ofereceu como vítima de propiciação para nos libertar das obras mortas do pecado, os cristãos incluem na celebração da Eucaristia, memorial eficaz do sacrifício redentor, o sufrágio solidário e confiante por todos os fiéis defuntos. Isso acontece nas «Intercessões» que têm lugar na parte final da oração eucarística. Como se lê na IGMR 79, g), é por estas intercessões que «se exprime que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja, tanto do Céu como da terra, e que a oblação é feita em proveito dela e de todos os seus membros, vivos e defuntos, chamados todos a tomar parte na redenção e salvação adquirida pelo Corpo e Sangue de Cristo».

Pode dizer-se que, pelo menos a partir do século IV, nunca falta esta intercessão pelos fiéis defuntos nas orações eucarísticas (chamadas anáfora pelos orientais ou cânone no Rito Romano). De tal modo que todas as missas, sem exceção, são celebradas «pelos defuntos» («pro defunctis»). Aliás, o Missal Romano distingue bem as «Missas pelos defuntos» (que são todas, na medida em que esta intercessão está sempre presente) das «Missas de Defuntos» (exequial, por ocasião da notícia do óbito, aquando da sepultura definitiva ou no primeiro aniversário do falecimento e, ainda, «missas quotidianas» de defuntos). Nas primeiras usa-se o formulário da Missa do dia, do tempo e/ou da festividade ocorrente, com as correspondentes leituras do Leccionário próprio do tempo ou santoral; faz-se a menção dos fiéis defuntos, de forma nominal ou genérica, no lugar adequado da oração eucarística (tendo em conta o que se diz em IGMR 365). Já as segundas, dotadas de formulários próprios, com orações e leituras, devem reger-se pela «tabela dos dias litúrgicos» e respeitar as precedências estabelecidas.

Sobre estas «Missas de defuntos» e as regras a que deve subordinar-se a sua celebração, veja-se o que está estabelecido em IGMR 379-385). E tenha-se em conta a recomendação expressa de IGMR 355: «Sempre que celebre a Missa com participação do povo, o sacerdote  procurará não deixar frequentemente e sem motivo suficiente as leituras indicadas para cada dia no Leccionário ferial: a vontade da Igreja é apresentar aos fiéis, mais abundantemente, a mesa da palavra de Deus. Pela mesma razão, deve ser moderado no uso das Missas de defuntos, tanto mais que toda e qualquer Missa é oferecida pelos vivos e pelos defuntos, e na Oração Eucarística faz-se memória dos defuntos».

Conforme se reza, assim se crê! O aforismo é antigo. Por isso vale a pena debruçarmo-nos sobre os textos da oração eucarística em que se faz o sufrágio dos fiéis defuntos. O Cânone Romano pede ao Senhor que lembre (memento) os que «partiram antes de nós marcados com o sinal da fé e agora dormem o sono da paz». Trata-se dos batizados, assinalados com o marca do Seu Senhor. A metáfora do sono traz-nos à memória  as palavras de Jesus em relação à filhinha de Jairo – «a menina está a dormir» – ou acerca de Lázaro – «o nosso amigo dorme» –. O poder soberano de Cristo sob a morte faz com que esta se possa comparar a um simples dormir a que sucederá um «despertar» para a vida plena da ressurreição. Para os fiéis defuntos mencionados nominalmente, e para todos os que descansam em Cristo, referidos genericamente, pede-se «o lugar da consolação, da luz e da paz». «Lugar da consolação» traduz a expressão latina «locum refrigerii». Alude-se assim a uma prática funerária pré-cristã: o «refrigério» era um banquete fúnebre que reunia os familiares e amigos do defunto no lugar da sepultura ou onde se conservavam os restos mortais do falecido. Os vivos partilhavam o alimento e a bebida num gesto de comunhão. E através de rituais como as libações e as oferendas de alimentos, pretendia significar-se que com a morte não tinha terminado à comunhão com os defuntos. A Igreja «cristianizou» estas práticas imemoriais transpondo-as para a Eucaristia, por vezes celebrada no próprio lugar da sepultura. É este o sacramento da nossa comunhão em Cristo e uns com os outros, incluindo, necessariamente, os que nos precederam marcados com o sinal da fé. Também o Senhor Jesus prometeu aos servos que encontrasse vigilantes e preparados um banquete delicioso em que Ele próprio será o anfitrião, servente e o alimento.