Na sua crónica desta semana o padre Lino Maia dá voz a um testemunho em tempo de pandemia.
Como se costuma dizer, a notícia caiu como uma bomba na última segunda-feira de março: 31 utentes do Lar “Mãe de Jesus”, do Centro Social Paroquial do Padrão da Légua, estavam infetados. Eram uma terça parte!
Tudo tinha começado ainda no final da primeira quinzena do mês quando um utente teve alta hospitalar e revelou sintomas de febre. Segundo o hospital, o quadro clínico não exigia internamento. E, durante mais de 48 horas, apesar das muitas insistências, aguardámos a realização de teste à Covid-19. O resultado foi positivo…
Entretanto, naquele período, outros utentes começaram a apresentar sintomas inquietantes.
Depois de mais casos declarados positivos e muitas insistências, com a intervenção da Câmara de Matosinhos e da Delegação de Saúde, a 28 de março foram todos os utentes testados, tendo ficado os funcionários para as duas semanas seguintes, por dificuldade em fazer testes. Destes fomos recebendo notícias, e atingiu-se o número de 17 infetados…
Para além de inúmeras regras a cumprir, com a intervenção do Delegado de Saúde, foi necessário fazer muitas alterações no Lar com confinamentos, mudanças de quarto e organizações de espaços para mais isolamentos.
O estado de crise exigia mais pessoal, até para distribuir refeições, e muito material que nem no mercado existia. Neste aspeto, muitos paroquianos e algumas empresas abasteceram-nos com donativos, sem os quais teria sido impossível. As Juntas de Freguesia ajudaram de imediato, mas a Câmara Municipal e a Segurança Social só disponibilizaram ajuda bastante mais tarde.
Entretanto, e com as respostas de infância encerradas, alguns dos seus funcionários vieram reforçar os colaboradores, que já tinham entrado em horários de trabalho em espelho com dois turnos de cinco dias. A situação tornou-se caótica devido aos infetados e aos que se encontravam em quarentena, sem contar com os que ficaram de baixa e aqueles que tinham crianças menores. Só a meados de abril tivemos alguns colaboradores vindos da Câmara Municipal e da Segurança Social através da Cruz Vermelha, que se juntaram a alguns voluntários.
Alguns utentes, entretanto, faleceram, outros tiveram de ser hospitalizados e alguns foram acolhidos pela família. Mesmo assim a situação continuava muito mal.
Por iniciativa da Câmara Municipal, foram realizadas duas séries de novos testes a todos os utentes. A primeira a 18 de abril, com os resultados a revelaram 16 infetados, 7 dos quais, em março, estavam negativos. A situação ainda era preocupante. A terceira série de testes foi só a 18 de maio e os resultados foram 2 infetados e 2 inconclusivos.
A partir de fins de maio fomos progressivamente voltando ao normal. Em dois meses de grave crise, foram 10 os utentes que faleceram enquanto estavam infetados.
Em todo o processo, as autoridades nunca equacionaram retirar utentes do Lar, impedindo assim mais contaminações. Tivemos sempre de gerir uma situação em muitos momentos caótica, tanto pela necessidade de isolamentos, visto que praticamente todos os utentes estiveram em algum momento em confinamento, como pela crónica falta de material protetor, e pela coordenação de turnos de trabalhadores dos quais apenas uma era funcionária do Centro, isto é, conhecia a casa, os utentes, as rotinas e até os cuidados a prestar.
Houve quem se tivesse dedicado a esta causa todos os dias da semana com muitas horas, indo a casa só para tomar banho e dormir. Não temos medalhas para quem nos ajudou, e apenas envergonhadamente as autoridades louvaram o serviço heroico.
Muitos utentes autónomos ainda não saíram do Lar, e já lá vão 7 meses, o que significa ainda um confinamento que continua a trazer consequências. Já vai havendo material, mas não o suficiente para enfrentar outra vaga. As despesas dispararam com esta crise, e as ajudas, tanto da Câmara Municipal como de candidaturas estatais, não chegaram para cobrir metade das despesas.
O futuro a Deus pertence, diz a sabedoria popular. Aguardemos não ter de passar outra vez pelo mesmo, mas temos aqui pessoas que estão prontas a dar novamente tudo por estes utentes. Para estas pessoas, obrigado.
(testemunho do padre Joaquim Mário)