
Por Alexandre Freire Duarte
(“Regresso a Itália”, USA, 2020; dirigido por James D’Arcy; com Liam Neeson, Micheál Richardson e Yolanda Kettle)
O primeiro filme de um diretor é sempre uma tactear; um ensaio. Nem todos os podem ser Charles Laughton (“A Sombra do Caçador”), Orson Welles (“O Mundo a Seus Pés”) ou Frank Darabont (“Os Condenados de Shawshank”). James D’Arcy não o é certamente, donde esta obra não passa, do ponto de vista cinematográfico, de algo simpático e previsível. Os cenários naturais são deliciosos; a representação dos dois atores principais – também devido aos paralelismos com as suas vidas reais – é visceral, comovedora e repleta de verosimilhança. Porém, neste caso, a tentativa de misturar temas densos e graves com pinceladas descontraídas não resulta.
Se algo de assaz positivo há neste filme, seja do ponto de vista estético, seja do ponto de vista da ligação da trama principal com as suas sub-tramas, é a sua cadência pausada. Aliado à beleza ímpar das paisagens, tal ritmo permite que o espectador, tal como acontece com as personagens de “Regresso a Itália”, realize uma verdadeira reflexão acerca do que é a vida, as suas perdas, rancores, culpas e processos de sanação. Estes últimos – operados pela revisitação da memória no cadinho dos reencontros afetivos, empáticos e compassivos – são mesmo o que permite a verdadeira comunicação. Não a de palavras a palavras, mas de alma a alma.
É possível que possa haver quem se sinta incomodado com os mecanismos narrativos que, com um certo odor a neopaganismo, este filme exibe de forma a levar à aceitação de desfechos amorosos lesivos do que é a vida conjugal na ótica cristã. Contudo, do ponto de vista teológico, ele tem muito a oferecer. Desde logo e como já apontei, a celebração de relações francas entre os membros das famílias, para que as feridas do passado, suscitadoras de cortantes arestas nos processos de decisão, sejam abraçadas por um amor incondicional e afetivo. Igualmente importante é a mensagem de que sempre se pode aprender com os erros cometidos, mas apenas se se tiver a humildade para os reconhecer e, depois, os assumir numa lógica de (pedido de) perdão (eventualmente conjunto).
Não menos importante, temos o testemunho de que os momentos de grande dificuldade podem ser vividos como alicerces espiritualmente catárticos para mudanças de perspetiva acerca de prioridades antes eleitas e, assim, para transformações individuais e relacionais que superem distintos recalcamentos. Eis algo que, por sinal e numa coincidência cinematográfica que aponta para uma verdade essencial dita pelo Judaísmo e o Cristianismo, vai na linha de uma virtude da esperança que só germina quando não há outras formas de expectação.
A dor e a angústia vividas pelos personagens principais desta obra são absolutamente tangíveis. Mas a final superação das mesmas, sobretudo pelo que já foi antes aduzido – mas também pela recusa de se viver num modo de “piloto automático” em que o Espírito dificilmente logra entrar –, aponta para o facto de que estas, também nas nossas vidas, podem não ter a “última palavra”.