
Recordando o Santo de Assis, o Papa assume na sua Encíclica a expressão “todos irmãos” para propor “uma forma de vida com sabor a Evangelho”. O Evangelho de Jesus: amar o próximo como a ti mesmo. Mas queremos mesmo viver como irmãos? Estamos disponíveis para reconhecer no outro um irmão?
Por Rui Saraiva
Foi na véspera do dia dedicado a Francisco de Assis que Francisco de Roma se colocou na esteira do futuro propondo a todos um caminho de liberdade e fraternidade. Como fica claro nas primeira palavras do Papa no seu texto: “propor uma forma de vida com sabor a Evangelho”.
O desafio da fraternidade
O Santo Padre assinou em Assis a 3 de outubro, na cripta da Basílica inferior, junto do túmulo de S. Francisco, a sua nova Encíclica: “Fratelli Tutti”, “Todos irmãos”. Um texto dedicado à fraternidade e à amizade social que procura acender uma luz de esperança numa humanidade sofrida. Especialmente neste tempo de pandemia.
O Papa Francisco refere-se, precisamente à covid-19, logo no número 7 da sua Encíclica afirmando que esta doença “irrompeu de forma inesperada” tendo deixado “a descoberto as nossas falsas seguranças”.
“Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade” – afirma Francisco na sua Encíclica.
O Papa sonha com “uma única humanidade” e propõe que sejamos “caminhantes”, todos “filhos” de uma “mesma terra que nos alberga”. E no caminho a percorrer por uma fraternidade a procurar, Francisco desafia que cada um traga o que tem para partilhar: “cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” – escreve o Papa.
Desde o início do pontificado
Desde o primeiro dia do seu pontificado, que o Papa Francisco se apresentou ao mundo com a palavra “irmãos”. Logo ali, na noite da sua eleição, a 13 de março de 2013, o Santo Padre dirigiu-se à multidão com palavras de proximidade que se usam com quem é de família.
“Irmãos e irmãs, boa noite!” – foram as primeiras palavras proferidas pelo Papa Francisco no início do seu pontificado. Ainda um pouco admirado por ter sido a escolha dos cardeais reunidos em Conclave, Francisco gracejou com a sua nacionalidade argentina frisando que tinha sido eleito um Papa “quase” do “fim do mundo”.
Partindo de uma atitude simples, descomplexada e direta que facilita a comunicação, o novo Papa não perdeu tempo e disse ao que vinha: “Comecemos este caminho, bispo e povo, um caminho de fraternidade e de confiança entre nós” – frisou.
Um caminho de oração que na proposta do Papa é a melhor forma para chegar à fraternidade, como logo sublinhou nessa noite: “Rezemos sempre por nós, um pelo outro, rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade” – disse o Santo Padre.
Agir pela fraternidade
Para o Papa um conceito deve gerar ação. Francisco deu um rosto aos irmãos a quem queria dar um abraço fraterno com mais intensidade: os últimos. Correu para Lampedusa, em julho de 2013, concretizando o seu conceito de “igreja em saída”, na sua primeira visita fora do Vaticano, encontrando os “irmãos” migrantes.
Decidido de que paz e fraternidade são palavras da mesma viagem da esperança, Francisco reuniu em 2014 no Vaticano o israelita Shimon Peres e o palestiniano Abu Mazen que apertaram juntos a mão com o Papa.
Também a declaração de Abu Dhabi em 2019, nos Emiratos Árabes Unidos, que juntou Francisco e o grande Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, é um documento pela fraternidade humana. Um texto que condena o terrorismo e a intolerância religiosa e que “nasce da fé em Deus que é Pai de todos e Pai da paz”.
Depois da Encíclica “Lumen Fidei”, em 2013, escrita na fraternidade papal de Francisco com Bento XVI, e da “Laudato Si”, em 2015, verdadeiro texto motivacional para cuidar da Criação, Francisco dirige-nos um grande desafio. O desafio da fraternidade proposta por Jesus: amar o próximo como a ti mesmo.
Francisco marca encontro com o mundo na sua nova Encíclica. Um texto para ler e aprofundar fazendo caminho no coração de cada um. Porque parte de uma forte afirmação: “todos irmãos”.
Mas, para um honesto percurso de leitura, surgem, desde logo, várias questões que são início de uma reflexão da consciência:
Queremos mesmo viver como irmãos? Estamos disponíveis para reconhecer no outro um irmão?
“Fratelli tutti”, para ir com Francisco à procura da fraternidade.