Mensagem (92): Todos irmãos

Não compreenderemos o mundo atual sem uma referência a dois anos cuja numeração termina em “89”.

Em 1789, a Assembleia Constituinte francesa proclamou o tríptico da “liberdade, igualdade e fraternidade” como nova gramática do viver social. São valores especificamente cristãos, embora, naquele contexto, se proclamassem contra a Igreja. Mas a mesma Revolução guilhotinou a fraternidade e deu-lhe sepultura. Por isso, é tida como “dimensão esquecida”. Ou vilipendiada.

Tendo ficado em cena apenas os outros dois «princípios», ao longo de duzentos anos, a liberdade e a igualdade disputaram uma à outra a hegemonia absoluta. Ainda que, para isso, cada uma tivesse de aniquilar a rival. A liberdade polarizou-se e atingiu o auge, por exemplo, na Escola (económica) de Chicago e um pouco em todo o american way of life. O Maio de 68 e o que se lhe seguiu também não estão longe deste cimo.

No que à igualdade diz respeito, a obsessão pelo igualitarismo gerou o marxismo e o consequente sistema político: o leninismo-estalinismo. Que reclamavam a “ditadura do proletariado”. E que ditadura! Desta forma, na geografia política, a direita assenhoreou-se da liberdade e a esquerda da igualdade.

Em 1989, deu-se a queda do muro de Berlim e o princípio do fim da União Soviética. Maravilha! Mas tirou-se uma conclusão apressada, devido ao colapso de um dos blocos: que a igualdade seria uma miragem e só a liberdade contaria. Particularmente a liberdade económica e a exigência de que nada a detenha.

Começou, assim, o processo de globalização financeira, etapa refinada da globalização económica. Que reclama um dado não despiciendo: o paradigma antropológico do homem-consumidor pois o novo mito do eterno retorno passa pela repetição contínua de quatro fases: criação de necessidades (ainda que artificiais), produção, distribuição e consumo. Para voltar novamente ao princípio… Claro que, neste ciclo não cabe a dimensão fraterna, alegre, respeitadora da natureza e simples do viver em comum.

Em resumo: a dimensão política matou a fraternidade e a globalização martirizou a igualdade. Se é que também não fez o mesmo à liberdade… Porém, há uma terceira força, ostensivamente afastada de cena: a religião. Melhor: as religiões. Estará reservado a elas a recuperação da fraternidade e sua harmonização com os outros dois «princípios»?

O Papa Francisco pensa que sim. E eu também.

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