Universidade do Porto: conhecimento e cidadania

Entrevista ao reitor da Universidade do Porto, Professor Doutor António de Sousa Pereira. 

Por M. Correia Fernandes

A Universidade do Porto encontra-se hoje entre as 150 melhores instituições do ensino superior europeu e é a maior produtora de ciência em Portugal, sendo responsável por mais de 20% dos artigos científicos nacionais publicados internacionalmente. Além disso, lidera o registo de patentes europeias em Portugal.  Para além das suas tarefas específicas nos domínios das ciências e da investigação, a Universidade tem assumido protagonismo crescente na promoção da cultura, na preservação e valorização do património e no apoio à criação artística, constituindo umadas instituições culturais mais relevantes da cidade, tendo vindo a investir tanto na partilha do conhecimento como na construção da cidadania.

Neste início de ano letivo, Voz Portucalense ouviu a opinião do seu reitor, Professor Doutor António de Sousa Pereira.

Voz Portucalense (VP): A Universidade do Porto é uma das maiores universidades do país e o seu valor reconhecido em todo o mundo. Quais as dimensões que mais salienta na sua ação?

António Sousa Pereira (ASP): A Universidade do Porto encontra-se hoje entre as 150 melhores instituições do ensino superior europeu e é o maior produtor de ciência em Portugal, sendo responsável por mais de 20% dos artigos científicos nacionais publicados internacionalmente. Além disso, lidera o registo de patentes europeias em Portugal.

Até à eclosão da pandemia, que restringiu fortemente a mobilidade académica, a Universidade do Porto era a instituição portuguesa que mais estudantes acolhia com Estatuto de Estudante Internacional e a segunda que mais estudantes recebia em programas de mobilidade. Em 2019-20, a nossa Universidade ultrapassou a barreira dos 6 mil estudantes internacionais, provenientes de mais de 100 países.

O nosso campus é composto por 14 faculdades e uma escola de negócios, que cobrem todas as grandes áreas do saber e recebem, no total, mais de 30 mil estudantes. Devido à qualidade do seu ensino, a Universidade do Porto conhece uma grande procura por parte dos estudantes nacionais. Tem sido, aliás, a instituição mais procurada do ensino superior português e vários dos seus cursos apresentam as classificações de ingresso mais elevadas do país.

A Universidade do Porto dispõe de 49 unidades de investigação certificadas e nove institutos de interface, que formam um ecossistema de excelência para a produção, transmissão e partilha de conhecimento científico. Merece referência, neste ecossistema, aquele que é o maior centro de I&D+i do país: o i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto.

A Universidade do Porto está seriamente empenhada na adequação do tecido produtivo à economia do conhecimento. Com este propósito, criou, em 2007, a UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto, que inclui um serviço de incubação de empresas e vários serviços de apoio à iniciativa empresarial. A UPTEC é hoje uma referência no ecossistema empreendedor e de inovação português, com um contributo anual para o PIB de cerca de 60 milhões de euros.

Importa ainda salientar o protagonismo crescente da Universidade do Porto na promoção da cultura, na preservação e valorização do património e no apoio à criação artística. Pelo seu dinamismo e abrangência, o projeto “Casa Comum” colocou a Universidade entre as instituições culturais mais relevantes da cidade.

VP: As diversas Faculdades cobrem todos os ramos do saber. Quais as iniciativas que considera mais relevantes e valiosas no universo da Universidade?

ASP: As nossas Faculdade têm como fatores mais relevantes de valorização institucional a excelência da oferta formativa; a capacidade de investigação, desenvolvimento e inovação; o nível de internacionalização; o protagonismo cultural e artístico; a dinâmica empreendedora; a abertura à comunidade; a eficácia do modelo de governação; a qualidade das infraestruturas; e a abrangência dos serviços de apoio ao estudante.

Apesar da diversidade de conhecimentos, o nosso campus funciona como um sistema de vasos comunicantes onde ensino e investigação, inovação e tecnologia, pensamento e cultura se complementam e cruzam multidisciplinarmente.

VP: Quais os valores culturais e humanos que a instituição “Universitas” procurar inserir na sociedade?

ASP: Para nós, uma instituição de ensino superior não deve ser um mero espaço de transmissão, produção e aplicação de conhecimentos. Há toda uma dinâmica de cidadania que enforma os destinos da Universidade do Porto e é determinante para o desenvolvimento pessoal de quem a ela pertence. Isto significa que, para lá da sua função formativa, a nossa instituição procura ser um território de convívio, urbanidade e civismo.

A Universidade do Porto compromete-se a desenvolver o potencial dos seus estudantes, no quadro de uma formação que privilegia o conhecimento científico mas também o crescimento intelectual e cívico. Procuramos transmitir os valores da cidadania com o propósito de envolver os estudantes na promoção do bem comum e de contribuir para o seu esclarecimento em questões tão pertinentes quanto a sustentabilidade ambiental, a igualdade de género, a defesa da dignidade humana ou o respeito pela diferença.

VP: No contexto atual da pandemia, como reagiu e se adaptou a comunidade universitária, quer nos domínios da sua formação, quer no relacionamento com a sociedade em geral?

ASP: Com o confinamento social e a suspensão das aulas presenciais, foi necessário assegurar as atividades letivas através de processos de ensino-aprendizagem à distância e transitar para um regime de teletrabalho. O recurso a um modelo de ensino não presencial apoiado em tecnologias digitais implicou a adoção de novas metodologias, conteúdos e ferramentas no processo de ensino-aprendizagem, bem como uma mudança de rotinas quer dos estudantes, quer dos docentes.

A Universidade do Porto tem procurado desenvolver, com a normalidade possível, as suas atividades académicas e científicas. Apesar dos fortes condicionalismos, não deixámos de cumprir a nossa missão institucional nem de perseguir os nossos objetivos estratégicos. Parece-nos importante que as instituições de ensino superior permaneçam ativas, designadamente para contribuírem para o esforço internacional de combate à covid-19. A ciência é fundamental para travarmos a pandemia e, neste sentido, temos de continuar a garantir as condições necessárias para a produção e partilha do conhecimento.

A Universidade do Porto reagiu rapidamente à emergência da pandemia, reorientando meios humanos, científicos e tecnológicos para o combate à covid-19. Fomos uma das primeiras instituições em Portugal a realizar testes serológicos, utilizando kits de resposta rápida desenvolvidos pelo i3S. Uma equipa de investigadores do INESC TEC e da nossa Faculdade de Engenharia concebeu um ventilador de baixo custo e fácil montagem, para apoiar os hospitais portugueses. Também o INESC TEC, mas desta feita em colaboração com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, desenvolveu a STAYAWAY COVID, uma aplicação de rastreio digital da covid-19. Importa também sublinhar os estudos multidisciplinares sobre a covid-19 que estão a ser realizados nas nossas unidades orgânicas e de I&D, bem como o apoio científico que tem sido prestado às autoridades de saúde.

VP: Quais os mais graves problemas que importa enfrentar e que novos passos augura para o nosso futuro coletivo?

ASP: Estamos a viver a maior crise das nossas vidas, cujos efeitos são globais e com implicações a vários níveis. Enquanto cidadãos, isto exige de cada um de nós espírito de comunidade, abnegação e capacidade de sacrífico em prol do bem comum, sentido de responsabilidade individual e coletiva, solidariedade social, respeito intergeracional e muita, muita resiliência. Em suma, o exercício pleno da cidadania é fundamental para ultrapassarmos esta crise.

A pandemia de covid-19 está a acelerar diversas tendências do mundo contemporâneo, como o teletrabalho, o ensino à distância, o comércio eletrónico, a transformação digital das empresas… Todas estas formas de interação remota a partir das tecnologias digitais vão ser, muito provavelmente, aprofundadas e massificadas. Importa, no entanto, salvaguardar os estratos da população que não têm acesso a tecnologias digitais nem conhecimentos de informática. A transformação digital deve, por isso, ser acompanhada de um esforço de promoção da literacia informática, o que exige formação tecnológica e ações de reconversão profissional.

Creio também que os cidadãos dos países desenvolvidos, que viviam na ilusão do conforto e da segurança perpétuos, vão sentir-se vulneráveis e esse receio os levará a adotar comportamentos mais responsáveis ao nível da saúde e da higiene. Estou também esperançado de que, em consequência desta maior consciência sanitária, os cidadãos exijam dos decisores políticos mais investimento na qualidade dos sistemas de saúde e na capacidade da investigação científica. Ao mesmo tempo que, da parte dos decisores políticos, é esperada uma maior sensibilidade para a importância da saúde pública e da ciência.

 

Cinco conceitos que o motivam

Profissão: Realização pessoal e contributo para a comunidade.

Família: O meu chão.

Valores e ideias: Princípios orientadores de que não abdico.

Esperanças e projetos: Acreditar no futuro com realismo.

Intervenção social e cultural: Servir a comunidade.