
Por Jorge Teixeira da Cunha
Proponho aos leitores uma pequena reflexão sobre o passado e o presente da educação moral na escola, tal como tem sido pensado, ou ignorado, no passado e no presente. O tema é de grande amplitude. Por isso, podemos apenas fazer alguns acenos.
Da discussão que tem havido recentemente sobre a aula de Cidadania e Desenvolvimento, podemos concluir como é pobre o tratamento desta questão. Ou melhor, é justo reconhecer que a educação moral no espaço público é inexistente. Há factores na nossa cultura oficial que a tornam impossível de pensar e de praticar. Cremos que a principal razão é a absorção da sociedade civil por um Estado omnipotente e omnisciente. Isso é um problema dos países latinos da Europa, pois em países como a Alemanha, a Inglaterra ou a católica Irlanda isso não acontece. Segunda a tradição que predominou nos nossos países, influenciados pela Revolução Francesa, a substituição do absolutismo pela democracia não apenas transformou as instituições políticas de despóticas em democráticas, mas também quis formatar a cultura e a sociedade civil. Neste último caso, a pretexto de combater o clericalismo e o obscurantismo, criou-se um directório cultural que não se fica pela indiscutível proclamação da laicidade, mas advoga e impõe um laicismo, baseado numa ideia de ciência iluminista, como guia da cultura. Por isso, a sociedade civil, com as suas crenças religiosas e as convicções morais, deixa de ter espaço, ou melhor, é combatida pela omnisciência do Estado. Reparemos que isto tem acontecido em Portugal com todos os tipos de Estado, seja em tempo democrático, como o domínio dos partidos do centro, seja em tempo de ditadura, como aconteceu no Estado Novo.
Se olhamos para a nossa história dos últimos dois séculos e meio, poucos foram os que clamaram por ma educação moral propriamente dita, e, os poucos que o fizeram, clamaram no deserto. Damos o exemplo de Luís António Verney, que a propôs muito bem no séc. XVIII, mas o que vingou foi a reforma pombalina iluminista. No séc. XIX, houve alguma tentativa, como é o caso de Amorim Viana, mas os seus pressupostos racionalistas e anti-clericais também a inviabilizaram. Entre os republicanos, temos o exemplo de Newton de Macedo, um homem da primeira Faculdade de Letras do Porto, mas também ele pregou no deserto. Se olhamos os homens de Igreja, também não encontramos muitos exemplos de quem tenha se tenha elevado acima de uma apologética pouco esclarecida.
Temos o caso da Educação Moral e Religiosa Católica. É um pequeno espaço que existe nas nossas escolas e que, na maioria dos casos, é bem aproveitado. O problema é que não se trata de uma educação moral propiamente dita, fundada em contexto democrático. Institucionalmente, é uma concessão fundada na Concordata entre o Estado e a Santa Sé e não uma deliberação pensada como forma de educação em espaço público.
Urge, portanto, começar tudo desde o princípio. O princípio é a necessidade de formar as crianças e jovens na razão prática, na fundação racional dos juízos de valor, na justificação das escolhas à luz do sentido da vida e da liberdade. Claro que a fé religiosa tem uma importância fundamental nisso. A fé cristã é um caminho da catolicidade e não de afunilamento ideológico do raciocínio. Para que isto possa haver educação moral e religiosa, é necessário um diálogo lúcido para superar o medo dos crentes e a desconfiança dos não-crentes. As escolas são todas públicas, tanto as que são geridas pelo Estado como as que são geridas por outra entidades da sociedade civil. Superado o enviesamento de ambos os lados, a escola tanto será lugar de educação científica e tecnológica como de educação moral. Mas tendemos a dizer que esta última devia ter precedência. Algum dia lá chegaremos?