
Por Alexandre Freire Duarte
“Marriage Story”, EUA, 2020; dirigido por Noah Baumbach, com Adam Driver, Scarlett Johansson, Laura Dern.
Quando, em Dezembro de 2019, o filme “Marriage Story” estreou, não o abordei nesta rúbrica. Pensei, na ocasião, que seria mais relevante dar atenção a outras obras, todavia, tendo os atritos conjugais aumentado durante as semanas de confinamento da primeira metade de 2020, estimei dever revisitá-lo.
É improvável que se consiga ver esta obra sem se acabar por ter a “alma”, crescentemente compassiva, nas mãos. Mesmo quem nunca passou pelo drama, tocante mas não desesperante, que nela é apresentado, pressentirá estar diante de um exímio retrato do amor a ser futilmente despedaçado sob as tensões e fragilidades humanas. Com um argumento realista; dirigido com mestria; e dotado de eloquentes desempenhos, “Marriage Story” é uma análise atenta e honesta das complexas, pungentes e tantas vezes cegas tempestades emocionais características dos processos de decomposição das relações conjugais. Processos que, em última análise, decorrem de egoísmos “míopes” e “estrábicos” que, sendo indómitos sem a assunção da graça crística, transforam até a pessoa mais querida em alguém insuportável.
Este filme também chama a atenção para o facto de estarmos a viver dias em que o divórcio, ainda mais do que a morte – da qual ele é como que uma antecipação –, tende a ser feito invisível por uma nossa sociedade que quer passar a ideia de que o mesmo é algo de “natural” e passível de ser levado a cabo de modo “confortável”. Não o é. Todo o divórcio, mesmo os que decorrem de cenários de comum (ir)responsabilidade, é o doloroso descalabro, raramente recobrável, de uma história. É a sombria derrota de uma vida partilhada que, assim, terminará ferindo todos os envolvidos – em especial os mais frágeis.
O divórcio é ainda, e como esta obra me fez verificar, uma dos mais vigorosos sinais do que pode ser uma anti-Eucaristia. Na, e pela, Eucarística, somos fortalecidos pelo sangue do Senhor na edificação de laços de comunhão. No divórcio, e como “Marriage Story” sugere – sobretudo pelas personagens dos advogados –, os “vampiros” da nossa sociedade banqueteiam-se do, e no, sangue da dilaceração da vida comum de tanta gente, celebrando a propagação, até tal desfecho, do mito de que o amor e a esperança são nuvens estéreis de sentimentos, e não virtudes arraigadas na vontade – nomeadamente da árdua construção de uma união de corações.
Se assim é, a tortura do divórcio, enraizada em falhas numa comunicação sadia que se foi esfriando, vai mais além das pessoas nela envolvidas, repercutindo-se naquele Deus-Amor que Se expressa de um modo singular no amor conjugal. Ninguém que atravessa tal tortura fica incólume. Antes, e como este filme patenteia, torna-se progressivamente mais desabrigado, desorientado e, por fim, emparedado em atitudes espirituais negativas. Isto leva a que viva, talvez durante anos, com detritos de amargura que sequestrarão a felicidade, apontando para a evidência de que dificilmente alguém conseguirá encontrar um genuíno “final feliz” em qualquer separação matrimonial.