
Por Ernesto Campos
“O professor é o profissional da educação e os pais (…) são os educadores naturais”
Guilherme Oliveira Martins, ex ministro da educação
No limite, a obrigatoriedade da frequência escolar é questionável; em situação de pandemia, por exemplo, mas não só. Há quem prefira o ensino doméstico, que a lei consagra. A obrigatoriedade lembra a anedota do escuteiro que ajuda/obriga um velho a atravessar a rua, mesmo que ele não queira. Por outro lado, o bem comum pode ter de exigir do Estado que preste serviços à comunidade, entre os quais a educação, poder-dever, pois que se trata de um dos direitos do homem.
Vem isto a propósito da atual polémica sobre a disciplina Cidadania e Desenvolvimento, nomeadamente quanto aos seus conteúdos e, sobretudo, quanto ao modo de os ensinar.
Em 2012, sobre a disciplina Educação para a Cidadania, lia-se nas Linhas Orientadoras do Ministério da Educação: “não sendo imposta como uma disciplina obrigatória”, será “iniciativa da escola em parceria com a família…”. Depois, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e os governos. A disciplina passou a designar-se Cidadania e Desenvolvimento, a ser obrigatória, como “componente do currículo” e a ser “objeto de avaliação” e “tida em conta no cálculo da média final” (contrariamente ao que se escreveu em alguns comentários) – é o que também se lê nas novas instruções governamentais. Tal como a suas antecessoras (Educação Cívica, Formação Pessoal e Social, Educação para a Cidadania) e independentemente da obrigatoriedade, a disciplina tem méritos. A par de vacuidades e especulações desnecessárias e inadequadas, é seu propósito a formação humanística, isto é, formar pessoas e não candidatos a um emprego num ensino de funcionalidades.
Espera-se da escola é que ajude os alunos, por um lado, a crescer em autonomia, liberdade, responsabilidade mediante o exercício de hábitos de boa convivência cívica, solidariedade, respeito mútuo e sentido ético e espiritual da vida. Neste âmbito, a escola não tem de ser preponderante, antes, deve funcionar em parceria direta com a família, “primeira e insubstituível escola de sociabilidade” (João Paulo II).
Por outro lado, é específico da escola que desenvolva nos jovens conhecimentos essenciais e competências de comunicação e respetivas ferramentas. Se a escola se aventura no domínio especulativo do terreno movediço da ideologia cai no doutrinamento; ou no excesso de informação e incapacidade de a gerir, afogando-se passivamente em incertezas sem sentido crítico.
É competência essencial saber que a revolução francesa aconteceu porque todos os seres humanos, mulheres e homens, nascem e permanecem livres e iguais em direitos, com todas as consequências que isso implica. É essencial saber que os antípodas vivem do outro lado do mundo, ao contrário do que pensava Sto. Agostinho, mas não andam de cabeça para baixo. É essencial saber que a energia atómica serve para a paz e bem estar dos povos. É conhecimento essencial calcular a área de 8 m2 para poder ir à praia. Já não é essencial saber dissertar sobre as subtilezas da ideologia de género segundo os “referenciais de educação elaborados pelo Ministério da Educação”.
É neste plano que se questiona a obrigatoriedade de um currículo que pode colidir com o que uma geração tem de sólido e consistente para transmitir a outra.
Quando a família manda os filhos à escola, espera que ela ensine o que sabe, com segurança, em vez de tentar ousadas e incertas especulações ideológicas sem senso nem consenso.