
Teria sido em 27 de abril de 1521 que em Cebu, numa das ilhas centrais das Filipinas (onde ainda hoje há localidades com nomes como Consolación, Toledo, San Carlos ou Trinidad), morreu em combate numa emboscada movida por indígenas o comandante da expedição, por ele proposta ao Imperador Carlos V, a qual tinha já percorrido o Atlântico, a costa brasileira, a costa da Argentina, a Terra do Fogo, o estreito que hoje temo seu nome, e grande parte do oceano a que deram o nome de Pacífico, o comandante da expedição que partira de Sanlúcar de Barrameda (Sevilla), ao serviço do Rei peninsular, em 24 de agosto de 1519, o navegador que ficou para a História como Fernão de Magalhães. Curiosamente foi neste mesmo ano da sua morte, 1521, que morreu também o Rei D. Manuel II, o que não quis aceitar o projeto que lhe fora apresentado por Magalhães, a partir dos conhecimentos que granjeara na sua viagem ao Oriente e das informações que havia elaborado em estudos náuticos e de astronomia e geografia, para além da sua experiência como navegador ao serviço de Afonso de Albuquerque no oriente.
Decorre por isso hoje um amplo espaço temporal para comemorar o mais notável feito histórico e civilizacional a que deu origem: a viagem de circum-navegação do planeta. Não a completou, mas foi o seu visionário ideólogo, organizador da expedição e seu comandante até que em terras do Pacífico perdeu a vida (como tantos dos membros da excursão, dado que dos 234 que a iniciaram, apenas 18 a concluíram em 1521 e dos cinco navios apenas chegou um a Sanlucar de Barrameda). Não completou a viagem, mas como já tinha estado na Índia em tempos de Afonso de Albuquerque, onde combatera na batalha por Malaca na Indochina (1511), embora não seja certo que tenha chegado às Ilhas Molucas, hoje Indonésia, regressando a Lisboa em 1513. Se ali chegou, terá de facto sido o primeiro a dar a volta ao planeta.
De donde era natural Fernão de Magalhães?
E editoria portuense Modo de Ler fez-nos chegar um livro em agosto de 2020, o quinto de um conjunto de trabalhos de Francisco Marques intitulado “Alguns livros da minha Biblioteca e outras histórias”, onde se destaca o capítulo “Fernão de Magalhães cidadão do Porto”.
Como é sabido, outras localidades consideram ser berço de Magalhães, e por isso mesmo lhe erigiram estátuas: Ponta da Barca, no Minho, e Sabrosa, em Vila Real. O Porto apenas lhe dedica uma avenida, certamente comprida, mas incaracterística. Também se encontra referência à cidade de Lisboa como sua naturalidade, mas apenas como capital do reino. Monumentos que recordam Fernão de Magalhães encontram-se também, como documenta o livro, em Mactan, nas Filipinas, e na cidade de Lisboa, na Praça do Chile (terra que também pisou).
A tese da naturalidade minhota de Ponte da Barca é proposta por Queiroz Veloso, 1941, com base em depoimentos de um processo inquisitorial; a naturalidade de Sabrosa “cimenta-se num falso testamento” datado de 1504 (teria Magalhães 24 anos).
A tese da naturalidade portuense é sugerida por Sampaio Bruno como uma hipótese plausível, mas sem a afirmar taxativamente. É na obra do Visconde de Lagoa (Fernão de Magalhães, 1938), que este fundamenta a sua tese no contrato assinado por Fernão de Magalhães e Rui Faleiro (que com ele foi para Sevilha), assinado em 1518 em que se afirma ser “vecino da la ciudad del Puerto, en el dicho reino [Portugal]”, defendendo que vecino, significando residente, traduz também a condição de natural da terra.
O autor desta obra, Francisco Marques, aduzindo testemunhos do historiador João e Barros e de Fernão de Oliveira (autor da primeira Gramática Portuguesa), contemporâneos de Magalhães, conclui, em afirmação maiúscula, que “Fernão de Magalhães é natural do Porto”, justificando que no seu testamento (Sevilha, 1519, ano da partida da sua expedição) “contempla o convento de S. Domingos das Donas do Porto, única instituição portuguesa de que se lembrou”.
Muitas outras informações e referências bibliográficas e da história do pensamento encontramos na obra de Francisco Marques, sobretudo no que divulga das obras dos consagrados historiadores dos Descobrimentos, como João de Barros, Diogo do Couto, Fernão Lopes de Castanheda, Gaspar Correia e do próprio Jerónimo Osório, que censurou Magalhães por se ter colocado a0 serviço da Corte de Espanha.
Salientamos algumas das referências mais relevantes dessa época de ouro do século XVI: Comentários de Afonso de Albuquerque, de 1576; Livros de Gramática do jesuíta Manuel Álvares de 1572 (ano da publicação de Os Lusíadas); Instituições Dialécticas de Pedro Fonseca, de 1586; uma Vida do Padre Inácio de Loiola, de 1584; e Vida do Padre Francisco Xavier, de 1596, bem como um conjunto de Reflexões Teológicas de Francisco de Victoria de 1596, bem como Sermões do grande orador Frei Luís de Granada (1559), e várias outras obras editadas em cidade espanholas, como Salamanca e León.
Não apenas como repositório dos saberes centrais e relevantes nessa época, esta obra assinala uma invulgar presença do valor histórico e cultural do nosso universo do século XVI.