Um senhorio do bispo do Porto

Por João Alves Dias

Quando visitei “Ponte Ferreira” em Campo, Valongo, um amigo perguntou-me a razão de ali existir a «Casa da Portagem». Uma placa informa que aí “no final do século XVIII se cobravam impostos sobre o pão e o trigo. Os dinheiros eram destinados ao cofre das obras de construção da nova igreja matriz de Valongo”. Bem antes da célebre batalha do Cerco do Porto (23/7/1832) que recebeu nome deste local.

De facto, em «A Villa de Vallongo» (1904) do P. Joaquim Reis, consta que a igreja “ foi alevantada à custa do rendimento de um tributo de cinco reis sobre cada antigo alqueire de trigo importado na villa para manipulação ou consumo, e de um real em cada quartilho de vinho e azeite ou arrátel de carne que tivesse o mesmo destino”. Mas não diz onde nem como se cobrava. E a pergunta fica: – Porquê neste local que pertencia a outra freguesia e ficava tão longe da “Vila”? O concelho de Valongo, ainda não existia, pois foi criado por D. Pedro IV (28/11/1836).

Foi então que me lembrei da Torre de Ucanha onde se cobrava portagem aos almocreves que entravam no «Couto de Salzedas». Na Idade Média, os reis doavam terras aos “Senhores». Esta a origem do «Dom» («dominus» , «senhor») com que se continua a trata reis, nobres e bispos. Escorrências do passado… Estas terras (senhorios), se pertenciam ao Clero, eram «Coutos», se à Nobreza, «Honras». Havia ainda os «Reguengos» que eram as terras do Rei.

Os Senhores não pagavam impostos; aplicavam a justiça; eram donos dos terrenos e suas pertenças. As mercadorias pagavam portagem. Ainda hoje perduram toponímias que recordam esses tempos como Reguenga, Sta Cristina do Couto, Honra de Barbosa. A expressão popular «aquederrei!» é um pedido de socorro que lembra o grito dos condenados quando conseguiam fugir do «senhorio»: “Aqui d’El Rei”.

A medieval «ponte de Ferreira» dava entrada num couto. Qual?

O «Inquérito Arqueológico da Diocese do Porto», de 1957, diz: “Por concessão especial de D. Afonso Henriques, em 1140, ao Bispo do Porto D. Pedro de Rabaldes, (foi bispo do Porto entre 1136 e 1145, sucedendo a D. João Peculiar e precedendo D. Pedro de Pitões), existiu nesta freguesia de Campo, Valongo, o «Couto de Luriz». Tinha tribunal, juízes ordinários, procuradores e jurados próprios. Consta historicamente que, em 1651, deu uma sentença contra os moleiros de Ponte Ferreira a pedido de Rodrigo Peres, então Abade de São Martinho de Campo de Luriz. Segundo a tradição local, foi aqui, na «Cortinha do Porto», que nasceu a Rainha Santa Mafalda”. Na «Ponte do Morte» bem perto do tribunal, passava a antiga estrada Porto – Penafiel.

Sobrevivência desse couto e suas origens, era o «imposto da Mitra» – um foro – que os proprietários dos terrenos ainda pagavam, antes do «25 de Abril de 1974».

Assim, a «Casa da Portagem» seria reminiscência duma prática medieval que teria perdurado no tempo. Fica a hipótese.