O irmão lobo

Por Ernesto Campos

“Louvado sejas, ó meu Senhor com todas as tuas criaturas”

Cântico das Criaturas, S. Francisco de Assis

Além do irmão Sol, do irmão Vento, da irmã Água, do irmão Fogo, S. Francisco dava aos animais o nome de irmãos e irmãs com delicadeza e particular sentimento; não são eles também criaturas de Deus? O seu afeto pelos animais era como que uma expressão de elegância da bondade que exornava a sua vida.

Nos dias de hoje, oitocentos anos depois, pululam numerosos movimentos de proteção e defesa dos animais, dir-se-ia de inspiração franciscana, mas não parece. Entre o bondoso afeto do Santo e as bizarrias do radicalismo intolerante, a tocar as raias do ridículo, ,da moderna “filanimália”, vai um abismo. O neologismo “filanimália” vem aqui como oposto a filantropia, porque esta é que, nos nossos dias, anda pelas ruas da amargura: seja a chaga dos sem abrigo ou a amargura dos lares onde, abrigados embora, os seres humanos vivem sem os carinhos que se dedicam, em excesso, a cães e a  gatos, etc.

Com efeito, a antiga terminologia jurídica chamava aos animais de pecuária, ao gado, e aos escravos seres semoventes; mas, nos tempos de hoje, importa que, na escala animal, se reconheça a sensibilidade, que se distingam das coisas e que se lhes evitem maus tratos. Em rigor, porém, não são direitos dos animais, trata-se, antes, de deveres dos seres humanos, que S. Francisco elevava à sublimação e que a “filanimália” exagera para além do razoável.

Não parece razoável um Dia Internacional do Animal Abandonado, nem se lamente que haja “animais de ninguém”. De facto, os animais não têm de  ser necessariamente de alguém; o seu habitat primário é o espaço livre onde nasceram e a que pertencem; quando domesticados, podem estar ao serviço do homem para trabalho, para consumo, para companhia ou entretenimento, para negócio e até para abate quando prejudiciais, sem maus tratos e com comovedora e franciscana simplicidade. Mais do que isso pode traduzir um desvio perverso da solicitude e solidariedade  devidas à pessoa humana.

Não é razoável que sejam exigidas ao Estado  verbas para abrigos públicos destinados a animais e se lhes dê o nome de santuários. Aberrante!

Não é razoável que se proíba o abate de animais, mesmo com a eutanásia, questão esta particularmente chocante, quando confrontada co o uso dela nos seres humanos.

Tais contra-sensos levar-nos-iam a outro neologismo – “animalimania”, por oposição a filantropomania, que os dicionários registam como falsa filantropia. Mas, fiquemo-nos por “filanimália”. Cabe lá tudo o que é legítimo e defensável para a proteção e cuidado dos animais. Cabe tudo menos a tentativa “humanização” animalesca. De facto, a estúpida metáfora “santuários animais públicos” levar-nos-ia, por absurdo, a ter de moderar a linguagem e deixar de dizer “teimoso como burro”, “estúpido como a galinha”, “falso como a mula”, expressões que seriam insultuosas para os animais respetivos.

Limitemo-nos, apenas, como S. Francisco, a admirar a doçura enternecedora do cordeirinho, a plumagem sedosa do faisão, a melopeia relaxante da cigarra e o melodioso trinado do canário. Em nome do bom senso e do bom gosto.