Por João Alves Dias
No passado dia três, fez 15 anos que faleceu o arquiteto Fernando Távora.
Professor durante 50 anos na Escola de Arquitetura do Porto, a ele “ se deve grande parte das transformações que levaram a escola a ser uma das mais importantes do país, onde se formaram, por exemplo, Siza Vieira e Souto Moura” (Público – 18 de Outubro de 2006).
Para além desta vertente cultural, foi também homem empenhado em causas sociais junto de comunidades carenciadas. Não esgotou a sua atividade como arquiteto, professor, homem de cultura. O seu humanismo transbordou pelas comunidades mais pobres do Porto como o Barredo e os Bairros Sociais. Era um homem de bem, de riso contagiante, de emoção à flor da pele, de humor desconcertante e afabilidade encantadora.
Quando, em 1969, D. António Ferreira Gomes, regressou do seu exílio político, já Fernando Távora se afirmara “homem de cultura” como arquiteto prestigiado, diretor da Escola de Belas Artes do Porto e “homem do povo e com o povo” no Centro Social do Barredo. Por isso, temia que “o arquiteto” não pudesse aceitar o seu convite para a Direção da Obra Diocesana de Promoção Social. No entanto, encarregou o sacerdote responsável pela Obra de o abordar.
Mais tarde, num jantar que D. António ofereceu aos elementos da Direção, na Casa Episcopal, o Arquiteto Távora, com aquele ar descontraído e divertido que todos lhe admirávamos, perguntou:
– O Senhor D. António sabe por que é que eu aceitei pertencer à Obra? Perante o ar interrogativo de todos os presentes, respondeu:
– Deve-se a esse homem que se senta ao seu lado. E contou: – “Quando, certo dia, recebi um telefonema de um sacerdote, que se apresentava como representante do D. António, a pedir-me uma audiência, interroguei-me: que me quererá o Senhor Bispo? Se for para me pedir mais alguma colaboração, vou dizer que não e ele compreenderá que o Barredo já me chega. No dia marcado, vesti-me com maior cuidado e dispus-me a receber com a maior dignidade possível tão ilustre representante. Imaginei um sacerdote de idade, vestido de preto e de chapéu alto. Qual não foi o meu espanto quando vejo entrar um jovem, todo descontraído, sem cabeção e com capacete de ciclista no braço. Logo pensei: “ A este gajo eu não posso dizer não”. Até D. António se riu…
Nessa época, o Diretor dos Serviços de Habitação da Câmara do Porto era o Engenheiro D. Luís de Távora com quem nem sempre as relações da Obra foram fáceis. Quando, nas reuniões semanais a que nunca faltava, os colegas de direção lhe diziam, em tom de brincadeira, “ Aqui o Arquiteto é que podia resolver a situação, falava com o primo Engenheiro e tudo se resolvia”, ele logo atalhava: – ”Não, não somos primos e eu não tenho títulos. O único brasão que possuo é o do meu trabalho”.
A sua última lição como professor da Faculdade de Arquitetura foi pronunciada no salão nobre da reitoria da Universidade do Porto. Estava repleto. Foi brilhante. Mais uma vez, soube aliar a competência científica ao sentido de humor numa visão humanista da arte.