Mensagem (88): Vamos lá!

Conheci um venerável sacerdote portador de histórias tão invulgares que, como diz o povo, dava um romance. Ou muitos filmes. Três vezes esteve para ser fuzilados pelos nazis que ocuparam a sua pátria e outras tantas conseguiu libertar-se in extremis, pois foi tido como espião porque, na sua bicicleta e de batina, ia levar comida a uma paroquiana entrevada, cujo casebre ficava na área controlada pelas forças de libertação. Valeram-lhe os frequentes disparos dos dois exércitos colocados quase frente a frente: quando havia tiroteio, os nazis preocupavam-se mais com salvar a sua pele do que em fuzilar o prisioneiro.

Já com noventa anos feitos, levantava-se todas as manhã às 5 horas e, com a sua carrinha “Topolino”, a cair de podre, recolhia o cartão que os paroquianos selecionavam e deixavam à porta das casas. Com o produto da venda, sustentava um infantário na América Latina frequentado por cerca de meia centena de crianças pobres e dirigido por uma freira originária dessa Paróquia. Só depois celebrava a Missa e tomava o pequeno almoço. E passava o dia nos trabalhos apostólicos e na visita às famílias.

Claro que com toda esta idade e atividade, à noite, estava cansadíssimo. E adormecia enquanto… comia. A senhora que lhe tratava da casa acordava-o com tais abanões e brusquidão que até as pedras se contorciam. Era então que, como criança apanhada a fazer uma asneirita, dizia com toda a candura: “Andiamo, andiamo”. Em português: “Vamos lá, vamos lá”. Vamos continuar a refeição.

Vimos deste tempo de verão, tido como de férias e descanso. Devido à pandemia que nos mói, verdadeiramente, não sei se descansamos mesmo. Pelo menos, a nível mental. Mas o que sei é que temos de arregaçar as mangas e regressar ao trabalho. Temos de iniciar um novo ano pastoral. Não obstante as sombras e as incertezas que caracterizam este momento.

E temos de o fazer porque, como disse o então Card. Ratzinger na homilia da Missa para a eleição do Papa em que, curiosamente, sairia como Bento XVI, todo o agente pastoral tem de estar “animado por uma santa inquietação: a inquietação de levar a todos o dom da fé e da amizade com Cristo. Na verdade, recebemos o amor de Deus para que chegue também aos outros. Recebemos a fé para a transmitir a quem a não tem”.

Mesmo que isso suponha tanto cansaço e desgaste físico como o que se apoderava de Dom Pietro, o tal sacerdote do “andiamo”.

Então, “vamos lá”!

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