Pastoral Familiar publica guia para discernimento de situações irregulares

Foto: Rui Saraiva

O Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar publica um documento que se apresenta como uma nova presença da Igreja na realidade familiar em formato de guia prático. Divulgamos aqui na íntegra com o texto inicial do bispo do Porto, D. Manuel Linda.

 

Em 2014 e 2015, os dois Sínodos sobre a Família alimentaram uma imensidão de notícias e especulações. Em 2016, a publicação da Exortação Apostólica do Papa Francisco Amoris laetitia (A alegria do amor) continuou a fornecer matéria para inúmeros textos, quase sempre formulados à base da ideia pré-concebida de que a doutrina da Igreja tinha mudado e o que antes não era agora já era e vice-versa.

Nada de mais falso. Não houve nenhuma mudança na doutrina sobre o matrimónio e família. O que houve foi «progresso», isto é, um chamamento à Igreja para que afronte desafios e problemas novos com um espírito novo e acolhedor. Os Sínodos e o Papa, o que fizeram, foi «importunar-nos» e dizer-nos que o lugar da Igreja não é em uma qualquer fortaleza cercada, mas sim naquelas linhas de fronteira onde as necessidades e as angústias dos homens e mulheres de hoje têm de ser  colmatados pela benignidade e misericórdia do Evangelho. Ou então, para usar a expressão de Francisco, que a doutrina da Igreja deixe de ser uma “moral fria de escrivaninha” ou de museu (AL312) e passe a ser uma “teologia de estrada” que acompanhe e toque o coração das pessoas portadoras dos seus dramas e esperanças.

Ora, ao contrário do que quis fazer crer uma comunicação social especuladora e sensacionalista, se todo este processo não se traduz numa mudança de doutrina, mas numa nova fase de progresso da sua compreensão, também temos de concordar que a lógica da “misericórdia e da integração” (AL 296) não é fácil. Por muitos motivos, mas fundamentalmente, por dois: quer porque não estávamos habituados a essa atitude, quer porque este processo exige não só uma maior abertura ao Evangelho e à voz de Deus que fala na consciência, mas também um real crescimento humano, comunitário, eclesial e espiritual. Quer dizer que, se este novo procedimento é exigente para a Igreja, não o é menos –pelo contrário!- para as pessoas e famílias que desejam percorrer este caminho.

Este guião vem de encontro a esta dupla dificuldade. É uma tentativa de ajudar a Igreja “a revelar-lhes [aos casados civilmente recasados] a divina pedagogia da graça na sua vida e ajudá-los a atingir a plenitude do plano de Deus neles” (AL 298). Sempre na tríplice perspetiva em que o Papa tanto insiste: no acompanhar, como Jesus ressuscitado fez com os tristes e desanimados discípulos de Emaús; no discernir, ou seja no implorar e acolher a luz do Espírito que ilumina por intermédio da Palavra de Deus e faz ver o caminho a percorrer; no integrar e no trazer da periferia para o interior da comunidade crente.

Agradeço, de coração, ao nosso Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar, responsável por este texto que se segue, que junta a tantos outros mais este brilhante contributo para a evangelização do matrimónio e da família. Indiretamente, para que famílias unidas e felizes façam deste um mundo mais unido e feliz. E auguro que este guião contribua fortemente para nos aventurarmos, sem medos paralisantes, a ir ao encontro das situações difíceis. É aí que nos mostraremos Igreja credível, sinodal, mãe e mestra, capaz de passar de uma pastoral das estruturas a uma outra fundada na pessoa e suas situações.

Resta-me exprimir o mesmo convite do Papa Francisco, o que, aliás, faço com muita esperança: “Convido os fiéis, que vivem situações complexas, a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor. Nem sempre encontrarão neles uma confirmação das próprias ideias ou desejos, mas seguramente receberão uma luz que lhes permita compreender melhor o que está a acontecer e poderão descobrir um caminho de amadurecimento pessoal. E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para ajudá- las a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja” (AL 312). E confio todas as famílias da Diocese do Porto à intercessão da Sagrada Família de Nazaré.

Porto, 28 de agosto de 2020

+ Manuel, Bispo do Porto

 

 

GUIA PRÁTICO PARA O PERCURSO DE DISCERNIMENTO

Este guia pretende ser um auxílio para o percurso de discernimento proposto nos números 3.4 e 3.5 da nota pastoral “Orientações para a pastoral familiar na Diocese do Porto”, de 6 de março de 2019. Destina-se em especial às pessoas ou casais que pretendem fazer esse percurso e aos pastores que as acompanham.1

 

  1. Discernimento porquê e para quê?

a) Um percurso de discernimento destina-se a iluminar a consciência das pessoas, para as ajudar a fazer um reto juízo sobre a sua situação diante de Como percurso que é, requer tempo e, para ser verdadeiro, é necessário aceitar que não se tem a resposta à partida. Requer a confiança de partir sem pré-determinar o ponto de chegada, confiando que Deus o indicará. Os vários intervenientes (pessoa ou casal de recasados e acompanhante espiritual) devem aceitar que não se trata de um processo para ter acesso aos sacramentos, mas sim de um caminho para procurar a vontade de Deus – que pode ser, ou não, possibilitar esse acesso aos sacramentos.

b) Qualquer discernimento requer a liberdade interior, sem a qual o processo fica Discernir não é convencer Deus da nossa vontade! Só em liberdade permite criar uma distância afetiva crítica das situações, quer a anterior quer a atual, de modo a aceitar verdadeiramente o que se vier a perceber que é a vontade de Deus.

c) É esta a principal razão para que o discernimento seja acompanhado por um elemento externo, em regra um pastor (padre), com experiência no acompanhamento e na direção O confronto com esta terceira pessoa é essencial: este ministro da Igreja deve acompanhar o percurso desde o início, ajuda a desbloquear processos internos pessoais de um dos elementos ou do casal, ajuda a libertar-se de afetos e desejos desordenados em relação ao tema, de feridas que não tenham em conta a realidade, etc. O acompanhante não se substitui à pessoa ou casal que faz o discernimento, mas guia este processo para que ele seja verdadeiramente livre e feito em escuta e diálogo com Deus.

d) Estas orientações são apenas um guia, uma vez que cada caso tem caraterísticas próprias. Terão sempre de ser adaptadas a cada situação e a cada pessoa, pois essa é a essência do Para além delas, ao pôr em prática o processo de discernimento, há que ter em conta a idade dos intervenientes, a duração da relação atual, se ambos foram sacramentalmente casados ou só um deles, se a relação inclui filhos ou não, a experiência de fé, a participação na vida de Igreja, etc.

 

  1. Percurso de acompanhamento e discernimento

O discernimento é a “arte” de ler os sinais da presença e da vontade de Deus, que nos fala pelos acontecimentos da vida, pela Sua palavra, pelos documentos da Igreja, pela oração pessoal, pelo diálogo e partilha das pessoas que fazem o percurso com o acompanhante e entre si.

Nota: Os trabalhos realizados, com a mesma finalidade, pela arquidiocese de Braga e pela diocese de Leiria-Fátima, bem como algumas experiências concretas de acompanhamento de percursos de discernimento, serviram de base à preparação deste guia.

Estes “sinais” podem surgir em três grandes dimensões: sinais dirigidos ao intelecto (quando “se faz luz” sobre determinado assunto que estamos a rezar, quando percebemos que Deus parece estar a falar diretamente connosco através de uma frase do evangelho que já tínhamos lido muitas vezes…); sinais dirigidos ao afeto (quando, ao rezar, somos invadidos por sentimentos de grande alegria ou tristeza; de uma paz profunda ou inquietação…); e sinais dirigidos à nossa vontade (quando, ao rezar, nos comprometemos verdadeiramente com uma causa, nos sentimos determinados a mudar algo no nosso comportamento e decidimos agir num determinado campo que temos vindo a adiar…). Estes “sinais” são movimentos, moções espirituais. As moções espirituais essenciais são a consolação e a desolação. Espiritualmente, estas moções não são um mero bem ou mal-estar, mas autênticos movimentos espirituais, que nos permitem ir detetando a presença de Deus. Uma decisão difícil pode causar mal- estar e, ao mesmo tempo, uma grande paz ao nível do mais profundo. Esta consolação profunda, confirmada no tempo, dá-nos, com probabilidade, a direção da vontade de Deus.

Para a interpretação dos sinais de Deus, é fundamental o questionamento face às três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, perguntando ao longo do processo:

A decisão que me proponho tomar:

  • aproxima-me verdadeiramente de Deus e da sua Palavra (fé)?;
  • aproxima-me da vida com sentido, confiando em Deus que é fiel e não me abandona, que me chama a construir o seu Reino de amor, justiça e paz e a ir ao seu encontro na plenitude da vida eterna (esperança)?;
  • aproxima-me dos irmãos, em especial da família anteriormente constituída, amando o próximo como a mim mesmo e libertando-me do meu egoísmo (caridade)?

Ou, pelo contrário, essa decisão fecha-me à presença de Deus, não me deixa ver além do aqui e agora e isola-me dos meus irmãos?

Como se disse, o discernimento espiritual é a “arte” de ir lendo estes sinais. Portanto, sublinha-se a exigência da liberdade interior para estar particularmente atento às inspirações do Espírito e não ser “enganado” pelos desejos ainda pouco livres ou pelos sentimentos mais superficiais que não venham do Espírito. Ao longo do percurso, à medida que se vai rezando e para o acompanhamento do orientador, é fundamental ir tomando nota destas inspirações espirituais que vão surgindo na oração e na reflexão, constituindo assim um “diário de bordo” da caminhada de discernimento.

 

  1. Missão e perfil do acompanhante espiritual

Todos os que se dirigem à Igreja para pedir ajuda para um processo de discernimento devem poder encontrar pessoas capazes de os acolher com compreensão e solidariedade e de lhes propor e os acompanhar nesse percurso em ordem a uma maior integração. A Igreja confia aos que acolhem e acompanham estas situações de fragilidade a missão de manifestarem o rosto de caridade e misericórdia revelado por Jesus, o bom pastor e bom samaritano. Acompanhar não é julgar e decidir, mas escutar e ajudar a tomar consciência da situação diante de Deus. “O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação de um juízo correto sobre aquilo que dificulta a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que a podem favorecer e fazer crescer. Uma vez que na própria lei não há gradualidade (cf. Familiaris consortio 34), este discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja” (AL 300).

Assim sendo, deve o acompanhante acolher com compreensão e cordialidade, escutar atenta e solidariamente, olhar com apreço e simpatia, evitar juízos de valor e iluminar o caminho de cada um para Deus, em Quem podemos encontrar a verdadeira paz e liberdade. O acompanhante ajuda as pessoas a ver os passos graduais e possíveis a realizar para maior integração na vida e na comunidade cristãs, sempre tendo em conta que cada pessoa, com a sua história, é diversa das outras. Para tal, o pastor deve acentuar o fundamental, o anúncio do amor e da ternura de Cristo (“kerygma”), que estimule ou renove o encontro pessoal com Jesus Cristo vivo (cf. AL 58) e não o aspeto juridicista da lei.

Pode acontecer que um pastor acompanhante julgue não dispor das condições adequadas para esse ministério. Nesse caso, poderá contactar o Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar para recorrer ao apoio da Equipa de Apoio ao Discernimento (EAD) nomeada pelo Bispo da Diocese.

 

  1. Etapas do percurso de acompanhamento e discernimento

Antes de iniciar qualquer percurso de discernimento convém ter em conta algumas linhas orientadoras para este processo, transcritas da nota pastoral já referida:

  1. Antes de iniciar qualquer processo de discernimento, há que averiguar a existência de algum possível fundamento para introduzir a eventual causa de declaração de nulidade do matrimónio no tribunal eclesiástico. A diocese colocará ao serviço dos divorciados recasados um serviço de informação e
  2. Evite-se a ideia de uma permissão generalizada de acesso aos O processo de discernimento pessoal e pastoral, acompanhado sempre de um pastor, pode desembocar ou não no acesso aos sacramentos. Por isso, nenhum divorciado recasado pode decidir por iniciativa própria celebrar os sacramentos da Confissão e da Eucaristia. Aplica-se nesta situação o bem conhecido princípio: «ninguém deve decidir em causa própria».
  3. Não acabando necessariamente nos sacramentos, o caminho do discernimento deve orientar-se para uma melhor e maior integração na vida da Igreja, o que não quer dizer desempenhar todas as funções habitualmente confiadas aos leigos ou assumir a liderança e a direção de qualquer género de Além do mais, há que evitar o escândalo dos outros fiéis.
  4. Para dar início ao percurso de discernimento pessoal e pastoral são exigidos aos divorciados recasados os seguintes requisitos: a) Estar verdadeiramente arrependido do fracasso do seu primeiro matrimónio canónico se a consciência o acusar de ter agido mal ou de forma insatisfatória. b) Ter cumprido com todas as obrigações do primeiro matrimónio e já não poder voltar atrás. c) Viver a segunda união, consolidada no tempo, com fidelidade comprovada e dedicação. d) Não poder abandonar, sem nova culpa, os compromissos assumidos com o novo casamento. e) Ter-se esforçado por viver da melhor maneira possível o segundo casamento a partir da fé, ter educado os filhos na fé cristã e manter uma prática religiosa consentânea com a sua condição. f) Sentir o desejo ardente dos sacramentos como força para a sua caminhada de fé.

 

O processo de acompanhamento e discernimento desenvolve-se em cinco etapas, que se indicam a seguir.

A metodologia poderá ser sempre a mesma em todas as etapas: primeiro, leitura e oração pessoal, tomando notas das “moções espirituais”; depois, partilha entre os dois elementos do casal sobre o que foi lido e rezado, tomando notas sobre essa conversa, sempre que o processo abranja os dois; finalmente, partilha desse processo com o acompanhante espiritual, a partir do vivido e das notas tomadas neste período de tempo, recebendo orientações para continuar o caminho.

 

4.1.- Primeira etapa: a graça da liberdade interior

Numa primeira fase, é essencial colocar-se numa atitude de reta intenção, pedindo a Deus a graça da liberdade interior através da oração diária. Para ajudar a esse processo, o acompanhante espiritual pode propor alguns textos da Sagrada Escritura com pistas para a oração e a reflexão pessoal e/ou em casal.

Alguns textos da Escritura e tópicos de reflexão, a título de exemplo:

 

  • Gn 22, 1-19 (Qual é o meu absoluto? Ofereço-o! – mesmo que seja o não poder comungar);

 

  • 1 Cor 10, 23-33 (Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém);

 

  • Fil 3, 7-14 (Plano divino da salvação);

 

  • Mt 6, 25-34 (Providência divina: confiança total de que a sua vontade será para meu bem);

 

  • Mc 2, 23-28 (Jesus como modelo de liberdade interior, face ao primado do O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado);
  • Lc 19, 1-10 (Como Zaqueu, de que tenho de me libertar para que, de facto, seja a vontade de Deus o centro da minha vida?).

Trata-se de cada pessoa compreender quais são os seus absolutos e onde tem o coração, percebendo se quer “colocar os meus desejos acima do bem da Igreja” (AL 300), ou se está livre para aceitar a vontade de Deus, seja ela qual for.

Esta etapa deverá prolongar-se pelo tempo julgado necessário, com oração feita pessoalmente e partilhada em casal. Recomendam-se encontros regulares com o pastor acompanhante, em que se partilhe a vivência espiritual deste período, sublinhando os aspetos mais relevantes, desde dificuldades, alegrias, medos, bloqueios, às diferenças relevantes que possam ter surgido na interpretação dos textos e na oração que cada um viveu. Ao orientador compete ouvir, “ler” a presença do Espírito de Deus e ir ajustando a situação à realidade, propondo novos passos.

Nesta etapa, no momento em que for possível, é recomendável fazer um retiro de fim de semana, com outras pessoas ou casais que estejam a percorrer o mesmo caminho. A EAD poderá dar apoio na pesquisa de tais retiros.

 

4.2.- Segunda etapa: fazer memória e exame de consciência do matrimónio sacramental

O objetivo desta etapa é a reconciliação interior (e exterior, se possível) com tudo o que foi vivido, com todas as pessoas envolvidas e com situações porventura mal resolvidas. Mesmo que se tenha tornado num “casamento irremediavelmente destruído” (Familiaris Consortio 84), há também que reconhecer, muito para além da culpa, tudo o que houve de positivo nesse projeto e nos seus frutos – filhos (se os há), momentos vividos, generosidade, bondade e alegria – e tomar consciência do que se aprendeu com essa relação.

Mais uma vez, será muito importante a proposta de alguns textos como possibilidade de oração para pedir a graça da abertura à misericórdia de Deus, de experimentar a necessidade dessa graça e misericórdia e de se sentir/saber livre e agradecido pelo privilégio do perdão.

Alguns textos da Escritura e tópicos de reflexão, a título de exemplo:

  • Is 43, 1-7: A certeza de que Deus me ama e só quer o meu bem far-me-á abrir à sua misericórdia. Confiar plenamente no seu amor por mim/nós, de modo a não deixar nada por rezar, visitar ou reconciliar, porque Ele está Agradeço a sua misericórdia e peço-Lhe a graça de acolher o seu amor.
  • Lc 10, 25-37:
  • O bom samaritano é É Ele que cura as minhas feridas. O azeite e o vinho simbolizam os sacramentos, a estalagem representa a Igreja… mais do que ser chamado a curar os outros, sou chamado a deixar que Jesus me cure a mim.
  • Trazer à memória as vezes em que já senti a misericórdia de Deus na minha Saborear e agradecer essas experiências.
  • Pensar nas feridas que essa situação Ter a humildade de as mostrar ao Bom Samaritano, pois só Ele as pode curar. Com uma grande transparência e uma total confiança, entregar-me à misericórdia de Deus, deixando-me curar por Jesus, mesmo que arda. Acolher a misericórdia.

Para esta etapa, propõe-se um exame de consciência mais concreto, apresentado pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Amoris Laetitia e explicitado no nº 5 do ponto 3.5 da nota pastoral, que pode e deve ser feito á luz das leituras já referidas:

  1. Analisar as causas de rutura do precedente matrimónio, porque, em caso de culpabilidade, torna- se mais difícil chegar a um juízo positivo a respeito da admissão aos
  2. Examinar qual foi o comportamento na relação com os filhos, quando a união conjugal entrou em
  3. Averiguar se houve tentativas de reconciliação e se a pessoa fez tudo quanto era possível para que isso
  4. Avaliar como lidou com o cônjuge
  5. Examinar a boa fama e aceitação na comunidade cristã.
  6. Ajuizar se leva uma vida cristã exemplar, assumindo também compromissos no serviço da Igreja e da

 

Esta reflexão, feita com sinceridade, pode reforçar a confiança na misericórdia de Deus, que não é negada a ninguém, e orientar na tomada de consciência da situação diante de Deus.

 

4.3.- Terceira etapa: “avaliação” da relação atual

A “avaliação” espiritual procura perceber onde Deus Se revela e nos revela a sua vontade. Os instrumentos são os que foram já indicados (Palavra de Deus, os documentos da Igreja, a oração pessoal, a partilha entre o casal e com o orientador espiritual). O que se pretende “avaliar” é, essencialmente, a estabilidade do casal e da família, a educação dos filhos, a prática religiosa, a vida espiritual e a missão da família.

Nesta etapa do processo, propõe-se, na medida do possível, uma leitura guiada e acompanhada, com tempo e com calma, dos capítulos 4 e 5 (e se possível também o 3 e o 9) da Amoris Laetitia. Pode ser uma etapa mais alargada no tempo, para avaliar espiritualmente a qualidade da vida familiar. Procura- se, também, suscitar sentimentos de gratidão pelo modo como Deus, apesar de esta não ser a situação ideal (que seria o matrimónio sacramental), tem estado presente e tem acompanhado a vida familiar. Com a leitura dos referidos capítulos da Exortação Apostólica do Papa Francisco e com a oração feita a partir dessa leitura, visa-se, ainda, ir percebendo onde se pode crescer mais como família e na relação com Deus. Como todas as famílias, também esta terá necessidade de reconciliações, de pedir perdão e de perdoar. Este pode ser um tempo de fazer propósitos para o futuro, de maior investimento na vida e na relação familiares e de se questionar como pode inserir- se mais na vida da Igreja.

 

4.4.- Quarta etapa: A tomada de decisão segundo a vontade de Deus

Realizadas as três primeiras etapas, com base em todos os dados recolhidos durante este percurso, tendo tomado maior consciência da presença de Deus e compreendido espiritualmente, como indivíduos, como casal e como Igreja, as várias fases de vida e os vários “movimentos interiores”, chega a fase de tomada de decisão.

Reitera-se a necessidade de liberdade interior: Não se trata de fazer a vontade da pessoa, mas a vontade de Deus.

Sempre feitos em oração, os passos desta etapa poderão ser:

 

  • reler as notas tiradas ao longo deste tempo e resumir o processo, anotando e sublinhando o mais relevante e significativo;
  • tomar consciência das alegrias, tristezas e desânimos que foram vividas ou recordadas;

 

  • rezar Lc 12, 33-34 (Onde está o meu tesouro?);

 

  • rezar Mt 19, 1-9 e Mt 12, 1-8 (O que sinto quando rezo estes textos?);

 

  • por fim, questionar-se pessoalmente e perguntar a Deus qual deve ser o meu lugar na Igreja e na minha comunidade cristã: em que serviços, movimentos, ministérios… me sinto chamado a participar? O que sinto, honesta e livremente, ser a vontade de Deus para mim?

No que diz respeito ao acesso  aos  sacramentos, este é o momento de colocar a questão: honesta e livremente, qual é a vontade de Deus para mim?

Para tal, propõem-se os dois passos seguintes:

  1. Fazer um exercício de conclusão do discernimento, como se segue: durante uma semana, rezar e viver como se a decisão fosse não aceder aos sacramentos, tomar consciência do que se vai sentindo, dos sentimentos espirituais, do que há de paz ou inquietação; na semana seguinte, fazer o .. rezar e viver como se a decisão fosse aceder aos sacramentos, tomando nota dos movimentos espirituais sentidos. Assim, vai-se percebendo por onde Deus chama, o que dá mais paz, o que aproxima mais d’Ele, da vida cristã e dos outros.
  1. Para confirmar, através de um processo racional e a partir de tudo o que se leu, rezou, partilhou e ouviu, faça-se uma lista, em duas colunas, de ‘prós’ e ‘contras’ de aceder aos Noutro tempo, faça-se o mesmo processo com a possibilidade de não aceder aos sacramentos. È importante não misturar as duas possibilidades, para não criar confusões que atrapalham o discernimento. Depois de “selecionados” os ‘prós’ e os ‘contras’ de uma e de outra possibilidades, ver o que se revela mais evidente. Como afirmado no início, pode ser: 1) aceder aos sacramentos; 2) não aceder aos sacramentos; 3) para já não, há passos ainda a dar na vida e o discernimento deve continuar.

Findas estas quatro etapas, com honestidade diante de Deus, com toda a liberdade e com base no que viveu em todo o processo, a pessoa ou o casal toma a decisão que lhe parecer mais conforme à vontade de Deus.

 

4.5.- Confirmação da decisão tomada

O processo de discernimento termina com a confirmação da decisão. Deve começar por um tempo forte de oração (propõe-se novamente um retiro), diante do Senhor ressuscitado, deixando-se tocar pela sua presença, oferecendo-Lhe a decisão prestes a tomar e pedindo-Lhe que a confirme. Tendo o processo sido bem percorrido, se o Senhor não mostrar sinais contrários à decisão tomada, então, com liberdade e reta intenção, há que assumi-la.

Por fim, com o orientador espiritual, redige-se o testemunho do percurso e da decisão, para validação do percurso pelo bispo diocesano ou seu representante, após o que fica como registo para a pessoa ou o casal e é dado a conhecer ao pároco, no caso de não ter sido este a fazer o acompanhamento.

 

4.6.- Duração do percurso de discernimento

Sendo certo que não se pode definir prazos fixos num percurso que depende de cada realidade pessoal e familiar, é possível, no entanto, fazer algumas recomendações:

A nota pastoral referida no início preconiza uma duração mínima de seis meses para a totalidade do percurso. Algumas experiências vividas apontam para percursos mais longos. Mais importante do que a duração é a qualidade do percurso, que não deve “queimar etapas” e deve ser feito sem pressas, com passos quanto possível seguros, deixando-se guiar pelo que Deus vai inspirando.