
Durante algumas semanas, entre os meses de abril e junho deste ano de 2020, publicamos aqui algumas reflexões sobre a pandemia que estamos a viver. Um problema sanitário mundial que continua a crescer e que está a gerar uma situação de crise económica e social.
Recordamos os textos de personalidades que aceitaram pensar o futuro nas edições de VP em tempo de pandemia. A todos declaramos o nosso profundo agradecimento. Voz Portucalense é também a vossa casa. Obrigado.
A realidade que se esconde atrás do exemplo português
Por Nuno Botelho
empresário e presidente da Associação Comercial do Porto
O combate ao novo Coronavírus conta agora com quase oito semanas. Subitamente, o país passou da negação de uma ameaça longínqua e sem qualquer probabilidade de nos afectar, na voz da directora da Direcção-Geral de Saúde, para o enfrentar de uma presença real que mudou a vida à escala global. Também subitamente, do receio do colapso das instituições de saúde, assistimos agora a um testemunho consensual que o tempo ajudou a edificar. Portugal é apontado como modelo de responsabilidade e de cooperação institucional entre responsáveis políticos e entre as suas diversas organizações. E essa voz consensual enaltece a qualidade da resposta portuguesa à pandemia.
Reconhecer o que tem funcionado bem é essencial; até para consolidar a continuidade da estratégia. O reconhecimento internacional de que fala a imprensa estrangeira deve orgulhar-nos. O orgulho patriótico, quando justificado, é bom e é saudável. Mas devemos colocar a questão sobre o real fundamento de um consenso assente numa realidade díspar, cujas assimetrias parecem agravar-se a cada renovar do Estado de Emergência.
O sucesso da resposta portuguesa no combate a uma pandemia que continua a provocar milhares de mortes em países europeus resulta de uma resposta atempada e eficaz pelo isolamento social? Ou, além disso, beneficia da profunda desigualdade que caracteriza o país, constituído por regiões despovoadas e envelhecidas, nas quais os mais idosos já se encontravam privados do contacto social? Importa perceber se o controlo actual da situação não assenta sobretudo nos contrastes com um interior pobre, despovoado e carente, com uma situação de confinamento, afinal, bem anterior ao decretado pelo Estado. Daí a visível concentração do novo Coronavírus nas zonas urbanas, que concentram o comércio internacional, com focos de contágio agravados nas regiões exportadoras e industrializadas, como a Área Metropolitana do Porto e o Norte.
A ausência de debate e reflexão sobre aspectos fulcrais como os referidos, bem como quanto ao papel e ao âmbito da intervenção do Estado, às diferenças de remuneração e da dimensão estatutária entre o sector público e o sector privado revelará, mais adiante, o obscuro reverso da medalha. A calamidade económica e social surgirá bem nítida, e surgirá agravada. O discurso prevalecente fecha os olhos ao facto de que a esmagadora maioria de trabalhadores portugueses se concentra no sector privado. O que significa que 25 por cento da força de trabalho privada, um milhão de pessoas, se encontra em casa, em lay-off. Fecha os olhos ainda àqueles que por serem donos e gerentes do seu (pequeno) negócio, não só se vêem privados de trabalhar, como de receber subsídio de desemprego ou adoptar o lay-off.
Com um quarto dos trabalhadores do privado parados, torna-se incompreensível a manutenção de um efectivo público de alguns milhares que, em situação idêntica à dos privados, se mantém em casa a receber o seu ordenado por inteiro, não obstante não estar a exercer qualquer actividade. Nenhuma diferença estatutária legitima esta opção. Em si mesma, ela é também um factor de desigualdade e discriminação.
Absolutamente decisivo no combate à pandemia é a missão do denominado sector social. Nele estão implicados cerca de 250 mil trabalhadores. Desempenham um papel decisivo no apoio às comunidades vítimas da calamidade sanitária, económica e social. Falamos do papel fundamental no combate a esta pandemia que desempenham as instituições particulares de solidariedade social. De entre todas elas, todavia, merecem particular destaque as instituições ligadas à Igreja Católica Portuguesa – integradas na acção das obras diocesanas e agindo em comunhão com as paróquias. Falamos das irmandades, das misericórdias, que administram inúmeros lares, velando pelos cuidados dedicados a milhares de utentes. A Igreja Católica, como de resto o Estado plenamente reconhece, não traduz uma dimensão meramente complementar da acção do Estado neste domínio do auxílio. A sua acção reveste-se de um carisma próprio, na dedicação aos mais desfavorecidos, a esses que estão nas periferias das nossas vidas, como lembra o Papa Francisco.
texto publicado a 22 de abril
Covid-19: Desafios alguns… oportunidades muitas
Por Isabel Braga da Cruz
Presidente do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa
A COVID-19 é uma ameaça sem precedentes, vivê-la na Universidade é lidar com a incerteza na certeza que há uma prioridade – os estudantes!
A COVID-19 aproximou-se como uma onda gigante vinda do oriente. Temos a sorte de estar no extremo oeste da Europa e tivemos algum tempo para nos prevenirmos. Na Universidade Católica Portuguesa, no Porto, encarámos, desde cedo e com serenidade, esta gravíssima ameaça que entrou em Portugal, pelos vistos, pelo norte. Desde o primeiro momento, a prioridade foi proteger os estudantes e a nossa comunidade, mantendo, as atividades académicas. Foi preciso com grande rapidez passar as atividades letivas para um novo formato, à distância, sem descurar a qualidade, o rigor e os níveis de exigência que caracterizam o nosso ensino. Felizmente, o foco e a vitalidade da Universidade vieram ao de cima neste momento crítico – estudantes e docentes entraram neste novo regime com naturalidade e com o entusiamo de quem começa a experienciar uma nova realidade.
Decorrido mais de um mês, o balanço é muito positivo para ambas as partes. Claramente, há ganhos para os estudantes e para todos nesta forma de ensinar e sobretudo de aprender! Esta experiência inscreve-se nos nossos planos de inovação pedagógica e permitir-nos-á dar novos passos. Creio que muitas instituições de ensino estão a ver esta crise como uma oportunidade de lançar um novo olhar sobre o que é aprender na era digital e da informação à distância de um click! Apesar deste infortúnio da COVID-19, penso que podemos estar a atravessar um estreito que nos levará a abrir novos horizontes.
A passagem de todo o campus para teletrabalho decorreu com serenidade, a maioria das atividades puderam ser mantidas, agora à distância. Mas durante este período, temos procurado não deixar de ser uma comunidade – além das regulares reuniões de trabalho, partilhamos momentos de lazer e de inspiração. O facto de sermos um campus pluridisciplinar, trouxe à nossa comunidade um espírito de entreajuda incrível – desde os especialistas em ferramentas de ensino à distância, às equipas de psicologia para dar apoio à comunidade e estudantes durante esta fase, até aos enfermeiros que em cada momento orientaram os planos de contingência. E claro, está, o esforço feito de apoio à comunidade evidenciando o espirito de solidariedade que nos caracteriza.
Os nossos investigadores encontraram uma forma de colocar a ciência ao serviço da comunidade e face a inúmeras solicitações, as respostas foram muitas. O laboratório associado da Escola Superior de Biotecnologia (CBQF) trabalhou na produção de meios para testes diagnóstico COVID, para hospitais e outras unidades de saúde; produziram-se viseiras; o Centro de Enfermagem da Católica colaborou com diferentes agentes da cidade; a Faculdade de Educação e Psicologia apoia professores do ensino básico e secundário no desafio da tele escola; a Escola das Artes mantém o seu espaço de debate sobre arte, em regime online. Estes são apenas exemplos de muitas iniciativas em que a Universidade Católica tem estado envolvida.
A COVID-19 provocou uma mudança grande na forma de agir, de estar e de pensar. Pôs em causa muito do que dávamos por adquirido! Obrigou-nos a ver a vida noutra perspetiva. Mas também nos está a dar a oportunidade de nos entreajudarmos, de nos aproximarmos, ainda que cumprindo o distanciamento social, de mostrarmos que estamos aqui! De não sermos indiferentes quando vemos que o outro precisa de ajuda!
O retorno aproxima-se e com a mesma serenidade e sentido de responsabilidade com que partimos para o teletrabalho e ensino à distância, retornaremos, ao ritmo possível, ao campus e a estar todos juntos! Uma certeza temos, a de que queremos olhar o futuro com otimismo e com a esperança de que juntos conseguiremos fazer acontecer!
texto publicado a 29 de abril
Depois da pandemia que futuro?
Por António Tavares
Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto
Uma crise sanitária como a que vivemos, por causa da pandemia do COVID 19, corre sempre o risco de se tornar num salto no desconhecido. No desconhecido social e económico.
Agora que procuramos voltar, aos poucos e de uma forma faseada, à normalidade possível, vamos compreender que temos novos desafios para enfrentar.
Dos desafios mais evidentes será avaliar o nosso comportamento futuro. O confinamento além de ter valido para efeitos de saúde pública ajudou a afirmar a nossa solidariedade interpessoal?
Ajudou a ter uma outra noção do mundo e do nosso papel nele?
Estas são algumas das perguntas que poderemos colocar, mas muitas outras poderiam ser acrescentadas. As respostas é que podem ser mais difíceis de obter. Considero, contudo, que esta pandemia do COVID 19 vai exigir de todos nós várias respostas concretas.
Desde logo, ao Estado. Terá que olhar com mais atenção para o problema do envelhecimento em Portugal. Inevitavelmente terá que criar uma estrutura no Governo, a exemplo da Secretaria de Estado da Juventude, que ajude a implementar as politicas públicas desta área, do envelhecimento, e articule a relação entre a Saúde e a Segurança Social. Uma nova Secretaria de Estado para o Envelhecimento. Já é assim nos Governos do Reino Unido e da Alemanha.
Ao mesmo tempo, é necessário compreender que a divisão do país em regiões e a existência de coordenadores com legitimidade politica será fundamental para assegurar respostas coerentes a novas pandemias.
Depois às instituições da economia social. Precisam de compreender que determinados equipamentos coletivos, como os Lares ou ERPIs, precisam de um novo enquadramento e de um novo modelo que assegure conforto, tranquilidade e cuidados de saúde aos seus utentes. Será decisivo o trabalho que se venha aqui a desenvolver. As empresas que vão ter de saber orientar que as suas produções e reservas estratégicas não podem estar tão longe.
Finalmente, as pessoas para quem não só muda o comportamento na vida como também o seu relacionamento com os outros e com o mercado de trabalho. Cuidados acessórios vão ser agora mais frequentes.
Num outro plano, o pós-COVID 19 também nos vai chamar à reflexão. Na transição digital, no novo papel para o teletrabalho e as reuniões com apoio de meios audio-visuais. Uma das grandes diferenças foi o recurso a estas novas tecnologias para tornar mais próximo o que parecia mais difícil de alcançar.
Abre-se ainda um novo debate, em torno do uso dos dados pessoais, para controlar os movimentos das pessoas. Numa cultura como é a política ocidental, digna de tradições como as da revolução francesa ou inglesa será muito difícil procurar impor um modelo idêntico ao que fizeram em alguns países asiáticos.
Esta ideia de um “Big Brother” não faz parte do nosso imaginário de vida.
Para o plano internacional vai a minha ultima preocupação. A necessidade de afirmação de um Europa solidária, de uma Europa que se consiga recuperar e voltar a ter um papel decisivo nesta economia aberta em que vivemos. Daí que considere que vamos entrar num novo ciclo de globalização: mais equilibrado e mais regulado.
Depois qual o papel das superpotências no mundo divido entre uns Estados Unidos a querer ficar mais voltados para dentro de si mesmo e uma China com um desejo de querer se afirmar como uma grande potência económica e militar do século XXI. Será um século com mais interdependência entre todas as nações. Uma das lições que teremos de retirar deste período, para o momento pós COVID 19, é que a Europa terá de se afirmar estrategicamente no mundo. A China não poderá ser a fábrica e o armazém do mundo deixando-nos somente com as lojas e os escritórios.
Portugal terá também de retirar algumas lições e preparar-se para mudar o seu modelo económico e saber conservar o seu modelo social. Graças a ele, o Serviço Nacional de Saúde deu uma resposta que tranquilizou o país.É a hora de saber não desiludir os portugueses. Será, pois, a hora para se ter coragem para fazer as novas reformas que o mundo pós COVID 19 vai exigir.
texto publicado a 6 de maio
A Igreja em tempos de emergência
Por Paulo Gonçalves
Presidente da Cáritas Diocesana do Porto
“(…) Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. (…)”
Papa Francisco
Vivemos uma era de exceção. A situação de emergência nacional, motivada por um vírus de nome pomposo, constitui um dos maiores desafios dos nossos tempos. Desde logo, trata-se de um exigente desafio à sociedade atual. Um vírus que não reconhece raças, credos ou estatutos sociais e a todos coloca no “mesmo barco”, nas palavras do Papa Francisco, deveria motivar uma reflexão profunda.
Se, do ponto de vista clínico, todos somos iguais aos olhos de uma pandemia, no quotidiano acentuam-se as diferenças. As exigentes, mas porventura necessárias, medidas empreendidas pelos Governos para atenuar uma mais que expectável recessão à escala internacional, permitirão apenas atenuar uma escalada do desemprego, de pobreza e de fome.
No final, serão os marginalizados, os excluídos e os mais frágeis que vão sofrer. Resta-nos, uma vez mais, aguardar que a caridade e a nobreza de uns quantos – sempre prontos como em tantas outras circunstâncias da nossa vida colética -consigam mitigar os efeitos deste vírus rasteiro e maldito.
A Igreja, uma vez mais a Igreja, tem desempenhado um papel de primeira importância. Ainda que muitas vezes de forma discreta, está na linha da frente do combate à pobreza e na defesa de vida. Como se impõe. Como invariavelmente tinha de ser.
Também as instituições de solidariedade social e os seus milhares de voluntários, de Norte a Sul, merecem algumas palavras. Primeiro, de agradecimento; depois de incentivo e de encorajamento, pelo trabalho invisível, mas muito meritório, que têm desempenhado.
Na Caritas Diocesana do Porto, são já sete as décadas de apoio aos mais desfavorecidos. A principal missão da Cáritas Diocesana do Porto é o acolhimento, atendimento e apoio social à comunidade. Por um lado, a Cáritas congrega e partilha bens com as paróquias e grupos socio-caritativos da Diocese do Porto, espalhados por 22 vigararias e 477 paróquias, num universo distribuído por 26 cidades, que acolhem mais de dois milhões de habitantes. Por outro, acolhe e atende, apoiando com caráter de emergência as famílias.
É, precisamente, ao nível dos atendimentos urgentes, de emergência, que mais se notam os primeiros impactos da pandemia. Cerca de metade dos novos pedidos provêm de cidadãos estrangeiros, em especial do Brasil, da Colômbia ou até mesmo da Venezuela. Todos sem exceção, independentemente das geografias, mergulhados num mundo de incertezas. Pessoas, muitas vezes, ligadas a uma economia informal que ainda subsiste nas profundezas da sociedade.
Os tempos são de indefinição, de incerteza e de profunda desconfiança. Parafraseando o Papa Francisco, “todos seremos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento”. Na Caritas Diocesana do Porto não renegaremos a nossa tradição e a nossa história e seremos intransigentes na defesa das famílias desprotegidas, sem retaguarda, e sem futuro.
texto publicado a 13 de maio
Esperança, confiança e solidariedade é o caminho
Por Manuel Moreira
Presidente do Conselho de Administração da Obra Diocesana de Promoção Social
O aparecimento deste vírus desconhecido e muito contagioso, o Covid-19, transformou-se numa verdadeira pandemia à escala planetária. Apanhou-nos a todos desprevenidos e os tempos mudaram para todos.
O Covid-19 está a ser uma verdadeira provação para a humanidade, com todos os constrangimentos, limitações, sacrifícios, sofrimentos e mortos que está a provocar em todo o mundo. Esta pandemia do Covid-19 veio mais uma vez demonstrar a fragilidade humana, apesar do imenso avanço da ciência e da tecnologia.
Estamos ciclicamente a ser surpreendidos com algo que nos é estranho e desconhecido, e logo buscamos ou procuramos encontrar soluções para defender a vida humana e a sua própria sobrevivência. A humanidade aguarda com enorme espectativa a descoberta de uma vacina que nos torne imunes ao Covid-19 e nos permita voltar a normalidade da vida em sociedade. Gostaríamos que isso já tivesse acontecido, mas provavelmente só daqui a alguns meses, que poderá ir até ano e meio. Temos que ter confiança e esperança de que juntos vamos conseguir vencer esta maldita pandemia do Covid-19.
Esta situação como se já está a ver, vai provocar uma profunda crise económica e social, que temos que enfrentar com muita responsabilidade, inteligência, resiliência, determinação e solidariedade. Para isso temos que voltar à normalidade possível ou à nova normalidade, como se decidiu chamar a esse regresso em toda a Europa, de que Portugal faz parte integrante. Gradualmente os Países estão a reabrir, anunciando os seus calendários para o efeito, convivendo com o vírus, mas tendo em consideração os cuidados indispensáveis.
A União Europeia tem aqui uma excelente oportunidade para consolidar e avançar no projeto europeu, que como europeísta convicto defendo para o futuro, de uma Europa mais forte, unida, desenvolvida, próspera e solidária. Para fazer face a esta grave recessão económica que temos pela frente, justifica-se um novo Plano Marchall, que com este ou outro nome, seja um verdadeiro programa de recuperação europeia, para defesa do bem-estar e qualidade de vida dos povos europeus. Um verdadeiro sobressalto da alma europeia.
Dado as funções que atualmente desempenho, no exercício da minha cidadania, em duas instituições do setor social, designadamente, Presidente do Conselho de Administração da Obra Diocesana de Promoção Social, no Porto e membro da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Gaia, gostava de aproveitar mais esta oportunidade para chamar à atenção do Governo de Portugal para a urgência de se lançar um autentico Plano de Emergência Social, para fazer face aos problemas graves da sustentabilidade das Instituições Particulares de Solidariedade Social e das Misericórdias Portuguesas, que o Estado não pode, nem deve ignorar.
Esta maldita pandemia do Covid-19, da qual está a resultar, como já referi atrás, uma grave recessão económica internacional e nacional, e que está a afetar e muito as empresas, as famílias e as instituições. E como todos sabemos continuamos a ter muitas pessoas, famílias inteiras, em situação de pobreza, e agora a tendência com o crescimento do desemprego, é para aumentar e muito, infelizmente. Daí a importância acrescida das nossas IPSS’s e Misericórdias no terreno, na área da infância, juventude e terceira idade, para minimizar e mitigar esta situação de pobreza e vulnerabilidade social.
A coesão social é essencial à vida de uma sociedade, como a portuguesa, visando sempre a redução e eliminação progressiva das assimetrias no desenvolvimento social do País, para a qualidade de vida e a felicidade dos seus cidadãos.
Esperança, confiança e solidariedade tem de ser o caminho, que todos juntos devemos percorrer, para vencermos esta enorme provação da humanidade.
texto publicado a 20 de maio
Covid-19: a emergência do melhor de nós
Por José Manuel Cabeda
Professor de Genética e Imunologia na Universidade Fernando Pessoa
Nos momentos difíceis, o Homem revela-se no seu verdadeiro potencial. Capaz das maiores atrocidades, face à adversidade, o Homem revela-se capaz de coisas fantásticas. É na resposta à emergência que emerge o melhor de cada um. Não é por isso de surpreender que perante uma catástrofe tão grande quanto minúsculo é o agente que a causa, a Humanidade despoletou uma resposta sem precedentes na sua eficácia, abrangência e dimensão. No momento em que escrevo (menos de 5 meses após o alerta inicial do surto) foram infetadas mais de 5 milhões de pessoas e morreram mais de 300 mil. Mas a resposta dos governos, instituições e cientistas tem sido igualmente impressionante. O vírus foi identificado, o seu genoma sequenciado e foram disponibilizados testes de diagnóstico em apenas algumas semanas. Num período em que a Ciência funciona para muitos como um novo Deus Omnipotente, isto pode parecer banal, mas só é possível com os últimos desenvolvimentos tecnológicos.
Se o surto tivesse ocorrido há apenas 2-3 décadas, isto não teria sido possível. E que dizer da corrida às vacinas e aos tratamentos? Nos mesmos 5 meses estão em desenvolvimento muitas dezenas de vacinas! Multiplicam-se as iniciativas para criar e identificar fármacos para travar a infeção, em alguns casos com resultados interessantes. Cientistas de todo o mundo aderem às recomendações da OMS e tornam públicos em tempo recorde os seus resultados. Muitas revistas científicas tornam as publicações Covid-19 gratuitamente disponíveis para todos. Institutos de investigação disponibilizam meios tecnológicos e humanos para o diagnóstico. O esforço realizado coletivamente pelos cientistas em todo o mundo é talvez, a maior mobilização científica alguma vez vista em torno de um objetivo comum.
Muito para além dos esforços da ciência, é interessante verificar como as sociedades, na sua diversidade cultural, económica e religiosa subitamente foram capazes de adaptar costumes e rotinas para travar o “inimigo invisível” comum. Sem dúvida que os custos económicos, sociais e psicológicos são dramáticos e duradouros, mas vejamos a diferença que fizeram essas mudanças, recorrendo a alguns números: no início do século vinte, a chamada “gripe espanhola” infetou mais de 500 milhões de pessoas no mundo, tendo vitimado mais de 50 milhões; em meados do século vinte, a epidemia da SIDA (que ainda decorre) infetou mais de 75 milhões de pessoas e vitimou 32 milhões. A abissal diferença destes números para os da atual pandemia (que, no entanto, ainda está no início) revela o quão eficientemente estamos a conter o problema. Falta agora manter a eficácia, controlando os efeitos sociais e económicos das medidas.
A luta contra esta pandemia é uma maratona, que ainda vai nos primeiros metros, e que apresenta desafios clínicos, sociais e económicos gigantescos que importa enfrentar e resolver. Mas devemos estar animados com o que já obtivemos. Subitamente, melhoramos o ambiente, descobrimos valores fundamentais como a solidariedade, o cuidar dos mais frágeis, redefinimos prioridades, focalizamo-nos no bem comum, e redescobrimos a nossa fragilidade como indivíduos, sociedade e até como espécie. Subitamente, descobrimos que nem tudo é possível e que não nos bastamos a nós próprios. Subitamente, um minúsculo vírus, realçou a fragilidade do Homem, dos seus costumes e das suas relações. Subitamente Deus voltou a fazer falta. Redescobrimos que só fazemos sentido na relação com os outros, com a natureza e com o Divino. Deus revela-se também nas adversidades, desafios, e nas respostas que vamos dando. Nisso reside a esperança: emergiremos melhores e fazendo melhor.
texto publicado a 27 de maio
Aproveitar para alimentar, o desafio Re-food
Por Ângelo Soares
Vice-coordenador do núcleo Refood de Maia Centro
Re-Food é um Movimento comunitário independente, totalmente voluntário, conduzido por cidadãos e integrado numa IPSS. Nasceu em Lisboa em 2011 pela iniciativa de Hunter Halder, cidadão americano há muito radicado em Portugal, e integra atualmente 60 núcleos locais em todo o território continental. O seu lema é “Aproveitar para alimentar” e dele decorrem os três pilares em que assenta a sua atuação.
O primeiro pilar é o combate ao desperdício, concretizado na recuperação de comida confecionada e em boas condições proveniente dos excedentes de estabelecimentos de restauração (restaurantes, cantinas, cafés, padarias e confeitarias), bem como de alimentos frescos ou embalados – normalmente em final da validade – fornecidos por estabelecimentos de distribuição (desde as grandes cadeias às pequenas mercearias e frutarias de bairro). Esta comida, que doutro modo seria um potencial desperdício, é encaminhada para alimentar pessoas necessitadas, identificadas na comunidade local em que cada núcleo Re-food se insere, que diariamente recolhem as suas refeições nos centros de operação dos vários núcleos; este “dar de comer a quem tem fome” é o segundo pilar de atuação. A ligação entre estes dois objetivos constitui o terceiro pilar: a inclusão das pessoas e de todos os possíveis parceiros neste esforço contínuo. O Re-food não pede nem angaria nada, antes convida a que cada elemento da comunidade – indivíduo ou instituição – se envolva da forma que melhor entender: voluntários que recolhem, armazenam, preparam e distribuem as refeições, empresas que oferecem bens ou serviços, autarquias que apoiam e com quem articulamos trabalho, outras instituições de solidariedade com quem partilhamos necessidades e recursos.
Esta cadeia solidária envolvia, antes do início da pandemia, 7000 voluntários que em todo o país recolhiam cerca de 75 toneladas de alimentos por mês e alimentavam diariamente 6500 beneficiários.
É evidente que março deste ano representou uma revolução para o trabalho Re-food. Os restaurantes e muitos outros estabelecimentos parceiros fecharam, os voluntários e beneficiários ficaram confinados. Os poucos estabelecimentos que se mantiveram abertos tiveram constrangimentos de funcionamento e as restrições de circulação limitaram fortemente as possibilidades de recolha e distribuição.
As necessidades, porém, não acabaram, antes se agudizaram, e o número de solicitações começou a subir quase de imediato, devido aos que ficaram sem trabalho ou tiveram fortes diminuições de rendimentos. Felizmente não falhou o terceiro pilar Re-food: as pessoas e a comunidade! Através de doações e de parcerias com outros apoios sociais, foi possível fornecer alguns cabazes de bens alimentares. Voluntários mobilizaram-se para confecionar refeições. Os centros de operações reorganizaram-se para garantir o cumprimento das novas e mais exigentes regras de higiene e segurança. Empresas ofereceram equipamentos de proteção. Os voluntários que pertencem a grupos de risco vão tomando conta das tarefas administrativas e organizativas que podem ser feitas à distância. Boas pessoas das comunidades foram oferecendo os seus préstimos: “Já que tenho de estar por casa, em que vos posso ser útil?” foi uma pergunta frequente nas nossas redes sociais.
Agora que os estabelecimentos de restauração e distribuição vão reabrindo e que muitos dos voluntários já se podem desconfinar, não vamos voltar à realidade anterior: vamos retomá-la no que for sendo possível, ao mesmo tempo que enriquecemos a nossa atuação com as novas ferramentas e parcerias que fomos descobrindo e pondo em prática nos últimos meses. As novas necessidades já manifestadas e as que provavelmente ainda surgirão assim o exigem. Parafraseando Churchill: “Uma boa crise não se pode deitar ao lixo”!
texto publicado a 3 de junho
Jovens vós sois o agora de Deus
Por Maria Teresa Folhadela
Voluntária na JMJ 2019 no Panamá
Com estas palavras, o Papa Francisco dizia-nos na Jornada Mundial da Juventude do Panamá, em janeiro 2019, que o nosso tempo não é futuro. Deus conta connosco aqui e agora.
E o nosso querido Papa Francisco, que tanto tem reforçado que só saímos desta crise, quando nos reconhecermos irmãos e juntos no mesmo barco, tem procurado também no seu pontificado colocar os jovens como uma voz ativa da Igreja, tal como já o faziam os seus queridos antecessores.
Neste tempo de confinamento, houve várias coisas, que me marcaram, uma delas foi sem dúvida, a forma como os jovens através dos movimentos, dos grupos de paróquias e catequeses, continuaram o seu trabalho apostólico, numa pastoral da amizade de forma digital.
Estes jovens, o agora de Deus, não hesitaram em aderir às plataformas digitais e a transformar a vida da Igreja, como viram a sua vida da escola, da faculdade e do trabalho serem transformadas para o digital.
Nas Equipas de Jovens de Nossa Senhora, movimento do qual faço parte, consegui gozar e saborear, internamente, tudo aquilo, que os jovens fizeram para outros jovens e para quem se quisesse associar às iniciativas. Os tantos vídeos, os podcasts de orações, uma peregrinação de cinco dias virtual, com missas, testemunhos, um concerto em streaming a Nossa Senhora, o compromisso virtual de mais 300 equipistas com o movimento e um terço com o Cardeal Sr. Dom Tolentino de Mendonça com os nossos amigos equipistas do Brasil. Além disso, conseguimos em família viver estas propostas, e recordo com saudade e numa oração de memória aquela tarde de 27 de março, quando acabámos mais cedo o trabalho no nosso co-work improvisado, e nos sentámos no sofá a ver o Papa Francisco a subir aquelas escadas de São Pedro. E quando também todos no sofá, nos emocionamos, quando o Sr. Cardeal Dom António Marto, nos consagrava ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, num acto de profunda comunhão e fé que juntou diversos países.
Nesta pandemia, reforcei aquilo que mais agradeço ter aprendido nas EJNS, que a Igreja é a minha Mãe e que somos uma família. E por isso, sabemos sempre que podemos contar com a nossa mãe em cada dia, com o seu cuidado, a sua ternura e os seus sábios conselhos, e temos de cuidar uns dos outros, como nas famílias. Também reparei que o Espírito Santo é motor da vida na Igreja, e estou certa de que guiou os nossos bispos, em cada decisão, coerentemente tomada. Agradeço muito a Deus, aquilo que talvez seja das coisas que os jovens mais procuram e anseiam, a coerência vivida na Igreja, nestes tempos difíceis.
Voltando ao agora de Deus, e a esta inquietação, lembro-me também de tantos jovens que conheço que organizaram projetos de ação social, como o Projeto “Comvidas”, o Vizinho Amigo, e tantos outros que se fizeram presentes nas visitas à distância aos avós, a todos os que ajudaram do Banco Alimentar, e tantos profissionais de saúde jovens a serem anjos de cabeceira dos doentes. Vimos nestes dias, a santidade da porta ao lado que o Papa Francisco tanto fala. Uma santidade que não começa no dia em que somos perfeitinhos, mas que começa agora. Os jovens podem ser santos já.
Hoje, somos chamados a pensar o pós-crise, dentro da crise. Diariamente, temos de procurar ser reflexo e testemunho, próprios deste tempo. Atentos aos outros, cuidadosos com os mais velhos, coerentes com que dizemos e fazemos. E pacientes, muito pacientes. Não precisamos de saber as respostas todas, nem o que vem a seguir. Somos convidados a tomar parte desta reconstrução, e se necessário, como nos dizia o Papa “hagan lío” porque não se pode pensar o futuro das próximas gerações, sem as convocar! Não se pode fazer pastoral juvenil para os jovens se não os chamarmos, não podemos desejar uma Igreja jovem, se não os convidarmos. E sobretudo, neste tempo em que na Igreja de Portugal, vimos um pulsar de uma resposta jovem, temos de convocar todos, ninguém pode ficar de fora! Temos de caminhar juntos: famílias, bispos, padres, idosos, consagrados, leigos, paróquias, jovens. Hoje é o tempo de com fidelidade criativa, questionarmos o porquê de se ter feito sempre assim. Este tempo mostrou que o “sempre assim” não é a resposta final.
É tempo de pormos a “Cristo Vive” na vida, de a tirarmos do papel. Pensarmos ainda mais uma Igreja de jovens, para jovens e com os jovens. Que não deixa ninguém de fora, que é profundamente centrada em Cristo Ressuscitado e faz pontes entre as várias gerações. E por isso, chamem-nos. Convoquem-nos a pensar, façam com que não cheguemos só quando tudo já estiver pronto. Tomar parte não é chegar no fim. Tomar parte é caminharmos juntos desde o início, para que possamos sonhar juntos aquilo que podemos fazer para transformar o mundo agora.
texto publicado a 29 de julho