
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Neste espaço, já partilhamos perplexidades e reflexões sobre o risco de, à boleia da pandemia e das novas oportunidades que a Internet proporciona, muitos dos nossos fiéis se instalarem numa «prática religiosa» de sofá, como se fosse possível viver em Igreja sem se integrar numa assembleia celebrante. Sobre o mesmo tema debruçou-se recentemente a revista espanhola Missa Dominical num breve artigo de Bernabé Dalmau com o título Celebração e écran. Nada poderá substituir a assembleia.
O artigo começa com duas longas citações: do exarca catalão Manuel Nin para os seus fiéis da Grécia e do Papa Francisco.
Diz o primeiro: nesta pandemia, o mundo on line foi e continua a ser um substituto; mas é preciso que os pastores da Igreja retomem o anúncio de que a Palavra de Deus se fez carne, Ela própria se fez um de nós e é por isso que os cristãos celebram os sacramentos mediante coisas, realidades materiais: a palavra, o pão, o vinho, a água, o azeite… sobre as quais o bispo, o sacerdote, na celebração litúrgica invoca o Espírito Santo para a santificação delas e nossa. Se ficássemos no mundo on line não só o pão e o vinho não seriam santificados nem consagrados mas tampouco nós o seríamos. E D. Bernabé partilha uma interrogação que é, simultaneamente, receio: não estaremos a resvalar para um neo-docetismo que levaria a pôr em questão a verdadeira encarnação da Palavra de Deus?
O Papa Francisco abordou a mesma questão numa homilia, em 17 de abril passado, numa celebração quotidiana na Capela de Santa Marta. Estava-se ainda na fase aguda da pandemia:
«A familiaridade dos cristãos com o Senhor é sempre comunitária. Sim, é íntima, pessoal, mas em comunidade. Uma familiaridade sem comunidade, sem Pão, sem Igreja, sem povo, sem sacramentos, é perigosa. Pode-se tornar uma familiaridade – digamos – gnóstica, uma familiaridade só para mim, desligada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor foi sempre comunitária, sempre à mesa, um sinal da comunidade. Sempre com o Sacramento, com o Pão.
Digo isto porque alguém me fez refletir sobre o perigo deste momento que vivemos, desta pandemia, que até nos fez comungar religiosamente através dos média, dos meios de comunicação social, inclusive nesta Missa, somos todos comunicantes, espiritualmente unidos mas não juntos. Os presentes são poucos. Mas há um grande povo: estamos unidos, mas não estamos juntos. Também hoje tendes o Sacramento, a Eucaristia, mas as pessoas que estão unidas a nós, só têm a Comunhão espiritual. E isto não é a Igreja: é a Igreja de uma situação difícil, que o Senhor permite, mas o ideal de Igreja é estar sempre com o povo e com os sacramentos. Sempre! […]
Cuidado para não virulizar a Igreja, para não virulizar os sacramentos, para não virulizar o povo de Deus. A Igreja, os sacramentos, o povo de Deus são concretos. É verdade que, neste momento, temos que nos familiarizar com o Senhor desta forma, mas para sair do túnel, não para ficar lá. E esta é a familiaridade dos apóstolos: não gnóstica, não virulizada, não egoísta para cada um deles, mas uma familiaridade concreta, no povo. Familiaridade com o Senhor na vida quotidiana, familiaridade com o Senhor nos sacramentos, no meio do povo de Deus. […] Que o Senhor nos ensine esta intimidade com Ele, mas na Igreja, com os sacramentos, com o povo fiel de Deus».
Duas reflexões pertinentes: perigo de docetismo (recusa da encarnação); perigo de gnosticismo (dissolução do cristianismo numa ideologia abstrata), perigo de individualismo com a perda da experiência comunitária…
A hora que vivemos exige posições serenas e equilibradas. Ainda não saímos do «túnel» de que falava o Papa Francisco e há muitos fiéis que continuam privados, bem contra a sua vontade, da participação presencial nas celebrações da sua comunidade. Para eles, as celebrações transmitidas on line continuam a ser um bem. Por outro lado, o Papa que, habitualmente, celebrava em Santa Marta com algumas dezenas de pessoas, no tempo da pandemia era seguido por um milhão e meio de fiéis através da INTERNET…
Prudência, pois, e evitar posicionamentos radicais ou sentenças sem apelo. Mas renovamos o convite a que não se pretenda transformar o provisório em definitivo.