Editorial: Um diálogo criativo entre Fé, Cultura e Arte

Por M. Correia Fernandes

A paróquia de Grijó, Vila  Nova de Gaia, tem vindo a desenvolver, desde há anos, um trabalho pioneiro no domínio da relação entre a Fé e a Cultura, duas das mais ricas dimensões da convivência humana. Essa dimensão tem-se manifestado especialmente na Arte, expressão privilegiada da Fé, pelo apelo a criadores de diferentes formas e métodos, e materiais de expressão (pintura, escultura, desenho, acrílico e técnicas expressivas modernas). A isto se associa a outra forma universal da Arte: a Música, como aconteceu sempre nas grandes criações da História.

O  Cardeal Gianfranco Ravasi tem-se afirmado como um dos paladinos mais comumente aceites e mais eloquentes na afirmação deste dimensão humana que abre à espiritualidade. Nos últimos tempos, outra figura da Igreja se tem especialmente afirmado na mesma dimensão, conjugada com outra dimensão da criatividade humana, e por isso da espiritualidade: a dimensão poética. Falamos do Cardeal José Tolentino de Mendonça, figura hoje emergente no diálogo da Santa Sé com o mundo da criação intelectual e espiritual de hoje.

É nesta linha da naturalidade da expressão artística que se situa o projeto designado como “Encontros de Grijó, do Mosteiro da São Salvador”, que associa a sua força histórica, litúrgica e artística da nossa tradição à “novidade” de expressões artísticas de hoje.

A ligação da Igreja à criatividade de artistas, nos campos arquitetónico, pictórico, escultural e musical deu origem às mais notáveis obras primas da Humanidade. Pensemos em Fra Angelico, Botticelli, Miguel Ângelo,  Leonardo Da Vinci, Velásquez, Raphael, El Greco, e nos nossos Grão Vasco ou Nuno Gonçalves, e até aos dias de hoje, em que criadores como Siza Vieira ou Souto Moura têm sido reconhecidos pelas suas criações de arquitetura sacra.

Este ano a 9.ª Exposição Anual Coletiva de Arte decorre de 17 de julho a 17 de setembro, integrada nas celebrações do Padroeiro de Grijó, São Salvador, com a orientação do pároco, Cónego António Coelho e do escultor Bruno Marques, contando com o apoio da Diocese do Porto e da Câmara Municipal de Gaia. A exposição, dentro do espírito do projeto batismal da Diocese do Porto, tem a designação de Aqua Viva -Água Viva,  e insere-se também no conjunto de exposições do Projeto Onda Bienal promovido pela Cooperativa Cultural Artistas de Gaia.

Mesmo nas dificuldades e incertezas que neste ano se enfrentam, procura-se um sentimento de transcendência que pretende ser sinal de purificação e renovação, como propõe o projeto, recordando o papel da água na história do universo, na História da Humanidade e no sentido da salvação proposto na sagrada Escritura. “É símbolo de vida, purificação, providência, tem um caráter sacramental (Batismo) e revela a relação de Deus com o Homem”, como afirma a divulgação do projeto, que reúne a participação de 62 aristas, o que é notável, pelo interesse e pela adesão que a iniciativa e o tema obtiveram.

Paralelamente, seja referenciada outra iniciativa destes dias: a paróquia de S. Miguel da Maia, a propósito da celebração dos 50 anos de ordenação do pároco P. Domingos Jorge, editou uma memória do conjunto das obras de arte da igreja de Nossa Senhora. O Bispo do Porto salienta a importância da ligação entre a linguagem artística e a linguagem religiosa e o nível elevado na interligação entre as duas linguagens, mesmo que nem sempre fácil, mas sempre rica de sentido. Este conjunto artístico inclui o edifício, os painéis, os vitrais, a Via Sacra e o novo órgão de tubos. E recorda-se também o templo da Senhora do Bom Despacho, obra datada do séc. XVIII. O título dessa memória traduz todo o seu sentido: “Tesouros que encantam e elevam”.

É este o sentido de toda a arte do sagrado: voltar-se para a totalidade da pessoa humana. Neste universo se move então todo o sentido do universo, da terra, da ecologia, do equilíbrio da natureza. A arte é o supremo equilíbrio da Natureza. A própria Natureza é também Arte. Podíamos repetir a frase de Fernando Pessoa: é pena que não haja muita gente a dar por isso.

Ou haverá?