O Cinema visto pela Teologia (12): o filme “Jojo Rabbit”

Por Alexandre Freire Duarte

Não acreditava, também pelo que registarei mais à frente, que alguma vez viesse a escrever, nesta rúbrica, sobre o filme “Jojo Rabbit”*. Mas o que vivemos há semanas – com as manifestações, mais ou menos violentas e acríticas, relacionadas com a trágica morte de um cidadão norte-americano –, fez-me repensar tal convicção.

Com esta obra não estamos apenas ante uma satírica comédia corrosiva em registo de cartoon (que é como a personagem principal vê o mundo), que liga, num matizado equilíbrio instável e graças à destreza dos atores e à criatividade do diretor, o delicado com o discutível e o humor com questões profundamente sérias e até trágicas. Ela é, nisso e além disso, o relato de um êxodo espiritual desde uma adolescência inocente para, mediante decisões críticas, uma complexa idade adulta que é exigida, à força e por eventos exteriores e desconstruções de ideias interiores, a um jovem muito sensitivo, naquilo que requereu ao ator principal um enorme siso para comunicar a (i)maturidade dos seus afetos contrastantes.

Tal êxodo é acompanhado, por vezes, de atos de grande amor e coragem em situações dificílimas – no contexto, quer de uma II Guerra Mundial, quer da ideologia a ela subjacente –, até que a dita personagem seja capaz de ver a perversão da realidade por detrás da tóxica propaganda nazi. Uma ideologia que, pontualmente e nos seus mecanismos sociais, se mostra análoga a outras que, hoje e na melhor das hipóteses, têm capitalizado a bondade ingénua de muitas pessoas “hollywoodizadas” e incapazes de discernirem o que as move.

Talvez aquele contexto possa parecer, neste filme, demasiado lírico, reduzindo as forças do “mal” e do “padecer” a meras questões de ignorância e de insensatez por parte daqueles que os infligem, como se as mesmas não fossem capazes de nos “matar” apenas por fazermos o que se conseguimos na linha do que o amor nos pede. Contudo, a valorização da real proximidade incarnada (que elimina o medo irreal dos outros) e da conversão da própria intimidade espiritual (para não se cair na ilusão do absolutismo emocional) são faróis que guiam a atenção para aspetos decisivos de como devemos lidar, sem acomodação, com aqueles poderes e, agora com compaixão, com todas as pessoas.

Só assim teremos aquele ânimo para atravessarmos realidades tantas vezes disfuncionais e destrutoras que, trocando a benevolência pela insolência e a lealdade pela vaidade, vêm até nós. E vêm fruto também – sejamos honestos – das nossas inércias e até das nossas próprias deliberações, as quais incitam um horizonte propício para que os mais desatentos e frágeis sejam sempre as primeiras vítimas, dado que tendem a venerar aqueles que os fazem sentir-se bem. Sim: o amor, por mais que o possamos escarnecer em certos momentos, é o caminho mais viável para uma vida merecedora de ser celebrada em gratidão, conquanto não o confundamos com sentimentos que jamais serão finais.

(* USA, 2019; dirigido por Taika Waititi, com Roman Griffin Davis, Scarlett Johansson, Sam Rockwell, Taika Waititi)