Editorial: Mensagem aos Padres recém-ordenados

Foto: Rui Saraiva

Por Jorge Teixeira da Cunha

As dioceses e congregações vão conseguindo recrutar um número interessante de presbíteros que costumam ser ordenados por esta altura do ano. Aqui damos as boas-vindas ao grupo dos servidores da Igreja ordenados este ano. No tempo em que me esteve confiada a tarefa de reitor do seminário, confesso que muitas vezes me sentia perplexo a respeito dos candidatos ao sacerdócio. Mas no meio das angústias do lugar, pensava: eles chegaram aqui trazidos por um impulso que não compete ao responsável controlar; a eles, com as suas qualidades e defeitos, competirá fundar a Igreja quando os velhos já não estiverem cá. E com esses pensamentos e outros, entrava descansado no sono da noite (mesmo quando sabia que eles andavam na noite). É uma maneira de ver. Certezas não há muitas sobre o futuro. Os que se ordenam agora terão de conduzir a Igreja na tomada de decisões sobre o ministério que ainda não estão maduras. Serão certamente capazes de o fazer.

Se algum conselho podemos dar aos novos é esse de seguirem o impulso que os trouxe até aqui. Ontem e hoje, a única realidade que pode sustentar um padre é a vocação sacerdotal. Tudo o resto falirá com o passar do tempo. E a vocação tem o seu quê de incontrolável. Quando Deus desperta uma vocação, é um caso muito sério. A vocação radica nos estratos mais profundos da vida pessoal. Não se trata de algo que pode ser formatado segundo os critérios de um tempo e de um lugar. A vocação dá-se em personalidades que, algumas vezes, nos parecem disformes com o figurino a que estamos acostumados. Seguir a vocação significa desenvolver uma vida interior, sentir alguma união mística com o mistério divino. D. António Ferreira Gomes costumava dizer, aludindo à filosofia moral de H. Bergson, que a vocação sacerdotal se joga entre dois extremos: o apelo do herói e a conformação social. Mas que o mais importante é o primeiro factor, ou seja, a originalidade da experiência pessoal de apreensão da fé em Deus. Isso continuará a ser assim, qualquer que seja a figura do padre, qualquer que seja o sujeito da liderança espiritual da comunidade cristã no futuro.

Por isso, a segunda coisa que podemos dizer aos jovens presbíteros, a quem damos as boas-vindas, é que não se deixem naturalizar. Naturalizar, quer dizer alinhar por baixo, segundo os ideais comuns da cultura comum. A fé não é um fenómeno natural mas é sempre um coroamento da dita natureza a partir do divino invisível. A tentação da cultura de hoje é ignorar esta dimensão fundamental e navegar à vista, contentando-se com o pouco de que o padre é como os outros. Não, o padre não é como os outros. A altura do ministério está patente no seu modo de estar, mesmo quando descai momentaneamente para o lugar e o tempo comum.

Caros jovens padres, por favor, não cheguem ao vosso novo lugar de serviço pastoral, que anseiam legitimamente conhecer, a perguntar quanto vão ganhar ou a exigir obras imediatas na casa paroquial. Ouçam, ouçam repetidamente o povo, antes de perguntar quem manda aqui. Não caiam na tentação de ganhar prestígio fundado nos vossos pecados, mas na virtude que anda adjacente à autêntica partilha da fé de Jesus. Preparem-se para uma longa estiagem. Nós velhos cá estaremos para vos observar e acompanhar na tarefa de conduzir o povo de Deus na tomada de decisões que o porvir vai aconselhar.