
Por Jorge Teixeira da Cunha
O assunto de hoje é sugerido pela publicação de um “Novo Directório para a Catequese” e pela fúria contra as estátuas de personagens crentes, como o Padre António Vieira, que estiveram ligados à escravatura e à colonização. Em ambos os casos urge pensar no modo como somos iniciados à ética de Jesus.
O texto do novo Directório pretende pensar a catequese à luz do texto do Papa Francisco “Evangelii gaudium” (a alegria do Evangelho). É natural que assim seja. É a terceira versão das orientações sobre a catequese nos últimos cinquenta anos. Esta insistência significa a dificuldade do assunto, pois em tempos de alteração da sensibilidade cultural não é fácil sintonizar as propostas da Igreja com as preferências das pessoas de hoje. O mesmo tem acontecido com a educação em geral. De acordo com o que é conhecido do texto, a catequese é pensada como evangelização, e não só como conteúdo doutrinal, tomando a experiência estética como ponto de partida para o anúncio do Evangelho. Este ponto de partida, que é característico do Papa Francisco, é fundamental para que a iniciação cristã seja vivida como iniciação à ética de Jesus. Tomar parte na acção de Jesus e na sua identidade, ou seja, ser iniciado à ética de Jesus é mais importante do que saber o que Jesus ensinou. As duas coisas não estão separadas. Mas o carácter sacramental da fé leva-nos pelo caminho de privilegiar a experiência, ou seja, a troca vital, antes da comunicação de um saber. Esperamos que a catequese possa configurar-se por este caminho da comunicação do projecto de vida.
Este é também o caminho para pensar a questão das estátuas. É necessário afirmar com muita clareza que Jesus iniciou o mundo à vida plena. Por essa via colocou as bases da superação de todas as formas irregulares de viver. Entre essas se encontra a escravatura, o racismo, o colonialismo. Podemos perguntar com toda a clareza: houve algum contexto cultural ou religioso, para lá do cristianismo, onde isso tenha acontecido? Cremos que nenhuma cultura pode reivindicar esse papel.
Claro que isso tem um tempo e uma demora histórica. Bem gostávamos de encontrar muitos cristãos que tenham estado na primeira linha do abolicionismo, seja da escravatura, seja da pena de morte, e às vezes não os encontramos. Mas isso é a falha humana dos cristãos, não à incapacidade do cristianismo. Esse, enquanto é a vida de Jesus, continua pleno da sua virtualidade inesgotável. Por isso, mais do lamentar de forma totalmente impotente a história, importa regressar sempre ao lugar da origem, que é também o lugar do futuro: Jesus como fonte inesgotável da vida e do valor. Esse é o cerne da evangelização e da catequese. Os cristãos do passado tomaram a seu cargo pensar as questões do momento e fizeram-no certamente o melhor que puderam. Pactuaram com a escravatura, embora tenham apelado à humanização do tratamento dos escravos; denunciaram a crueldade dos colonizadores, embora não tenham condenado radicalmente o colonialismo. Alguém o fez melhor do que Francisco de Vitória, Bartolomeu de las Casas, Padre António Vieira? Era possível fazer melhor nesse tempo? É necessário ver as coisas dentro de uma perspectiva histórica.
A evangelização e a catequese de hoje não pode evitar este tipo de questões. Voltar sempre à origem, para poder estar à altura do tempo que vivemos. Eis o sentido da iniciação à ética de Jesus.