
Por António José da Silva
A história recente de alguns países ensina que há motivos para acompanhar com particular atenção o processo que pode levar uma república a transformar-se em monarquia, sobretudo quando esta dá sinais de uma continuidade que não se processa pela via tradicional da sucessão dinástica.
Os exemplos são vários, mas vale a pena registarmos hoje, particularmente, o caso da Rússia, já que se aproxima o dia em que os cidadãos daquele enorme país vão votar, e certamente aprovar, as alterações constitucionais que permitirão a Vladimir Putin continuar no seu trono por muito mais tempo do que aquele que estava constitucionalmente previsto, quando ele assumiu, pela primeira vez, a chefia do estado no ano 2000.
A história da Rússia pós-comunista está umbilicalmente ligada â figura de Vladimir Putin, pese embora o facto de ele ter sido um alto responsável do KGB, a famosa polícia política do regime que controlou a vida do país desde o triunfo da revolução bolchevique de 1917. Vindo de S. Petersburgo, antiga Leninegrado, por ordem de Boris Ieltsin para lhe suceder no mais alto cargo da nação, o ainda jovem Vladimir deu início então àquilo que se pode chamar uma segunda revolução russa que haveria de conduzir o país à recuperação do seu antigo estatuto de superpotência e a merecer um lugar proeminente e respeitado entre as nações mais poderosas o mundo, a começar, desde logo, pelos Estados Unidos da América.
O hábil aproveitamento dos recursos energéticos do país e do alto preço que estes chegaram a atingir, permitiu-lhe satisfazer o sonho de riqueza a que seu povo aspirava, mas que a ideologia comunista condenou durante anos como incompatível com os ideais da revolução comunista. Com esse aproveitamento, Putin conseguiu ainda, o que não foi menos importante, modernizar a ampliar a capacidade militar do país que passou a justificar então a sua classificação de verdadeira superpotência. O povo russo tinha todas as razões de sobra para estar orgulhoso do seu novo czar que, ainda por cima, conseguira todos esses êxitos por via democrática. Pelo menos aparentemente.
E dizemos aparentemente, porque, na verdade, Vladimir Putin tem sido brilhante, ao longo do seu reinado, na capacidade de camuflar o exercício do poder absoluto com a roupagem da democracia. E é isso que vai acontecer na consulta popular destes dias, quando os eleitores aprovarem, certamente por larga maioria, as alterações constitucionais que ele já propusera a um parlamento dominado pelas forças que lhe são fiéis. São alterações “democráticas” que vão permitir a continuidade do seu poder absoluto por muitos mais anos…